Dr Tarcísio Campos Saraiva de Andrade – presidente do Sindicato dos Médicos da Paraíba
Lá atrás, no governo FHC, foram criadas as condições para a grande expansão dos cursos de medicina, em detrimento do ensino público (universidades federais e estaduais), com o sucateamento dessas instituições. Abriu-se um mercado promissor: o das universidades privadas de medicina, onde, inclusive, a moeda de troca seria o apoio político, financiando quem fosse padrinho dessa ou daquela faculdade.
Abro um parêntese para lembrar que, no Encontro Nacional de Entidades Médicas (ENEM) de 2003, fiz uma proposta que foi motivo de muito debate. Era simples: “Para se abrir uma faculdade de medicina, é condição sine qua non que existam professores médicos, no mínimo, na fase do profissional”. O que propus foi que, para um médico ser professor nas centenas de novas escolas, estas deveriam ser acreditadas pelo CFM. A proposta não passou; claro, não havia interesse. Um dos argumentos era que seria um campo de “trabalho” para médicos. Enfim, no final, saiu apenas uma recomendação (é só ver os anais) para que médicos ensinassem em escolas adequadas. Parece que não funcionou!
Voltando ao assunto principal, a partir daquele momento, vimos um boom de surgimento de escolas de todo tipo (existem escolas privadas de alto nível, mas são ilhas no oceano). Vieram os governos Lula 1 e Lula 2. No governo Dilma, a situação se agravou, onde, com a justificativa falsa de que os médicos brasileiros eram poucos e não queriam trabalhar nos rincões do Brasil, criou-se uma verdadeira farra do boi! E, de forma errada, estabeleceu-se uma “perseguição” à categoria médica. Durante o governo Bolsonaro, estabeleceu-se uma trégua que também não se transformou em ganho concreto algum para nossa categoria. A moratória que havia sido criada para barrar a abertura de escolas médicas, naquele momento, já tinha mais de 350 escolas abertas e mais de 100 processos na justiça pedindo a abertura de novas escolas médicas. Isso tirava do Ministério da Educação a sua principal função: a de avaliar as condições estruturais e de corpo docente desses pedidos. Afinal, a justiça não é o melhor local para se dizer que, naquele município, merece uma escola de medicina e apresenta as condições mínimas e adequadas para funcionar um curso de medicina. Enfim, estamos em 2025 com cerca de 448 escolas, um absurdo para o tamanho da nossa população. Apesar de ainda estarmos abaixo da relação do número de médicos para 1.000 habitantes, comparados com a OCDE (3,70 OCDE x 2,98 Brasil). O mais importante na análise dos números apresentados pelo último relatório da demografia médica de 2025 é, sem dúvida, o enorme crescimento de vagas oferecidas pelas escolas privadas! E finalizo aqui essa breve análise para, por fim, dizer que o que parece óbvio, mas nunca é dito de forma clara e aberta, sem na verdade querer atingir ninguém, é que a lógica da mercantilização do ensino médico é a maior responsável pelo crescimento, no mínimo descontrolado, de forma intencional. Qual a intenção? Ganhar muito dinheiro. A média de uma mensalidade de uma escola privada hoje no Brasil é de R$ 11.000,00. Os grandes grupos de educação viram o grande filão e surfam na onda da falácia de que faltam médicos. O governo se exime da sua responsabilidade com as escolas públicas e financia grande parte do número de vagas dessas escolas privadas, e nós, médicos formados, aceitamos ensinar aos jovens acadêmicos nessas escolas precárias, sem estruturas físicas de ensino e sem campo de estágio.
Não pretendo aqui ser dono da verdade; os números estão aí para serem analisados. Muito menos vou entrar em debate com ninguém e muito menos adentrar na discussão de qual a solução, sem dúvida, para problemas complexos, soluções complexas.
