O dia-a-dia de um oncologista é árduo e desgastante. Deparar-se com casos avançados, dramas pessoais e familiares, dor, desespero e revolta fazem parte de seu cotidiano. É preciso muito equilíbrio, muita serenidade, para não incorporar todo esse sofrimento. É necessário estar muito bem preparado: não se convive impunemente com situações de dor profunda ou de morte iminente. Estas frases são trechos do livro Câncer, o lado invisível da doença, publicado em 2004 pelo médico oncologista Marcelo Collaço Paulo, e eu as uso, agora, para contar que este médico, há 40 anos dedicado à profissão, tem nas artes plásticas a sua ”válvula de escape” e segunda paixão. No cotidiano, muitas vezes ele se depara com a finitude da vida, mas diante das peças de sua coleção, muitas delas medievais e renascentistas, ele confirma a máxima de que a obra do homem é mais importante do que a vida. ”Por quantas mãos estas obras de arte já passaram? Quantas histórias elas carregam? Sinto-me, agora, como se fosse um fiel depositário destes tesouros. Quando eu não estiver mais aqui, elas continuarão existindo e encantando as pessoas”, comenta.
O gosto pela arte vem desde a infância. Aos 10 anos de idade já ajudava o tio e artista plástico Hassis a criar e pintar as alegorias para enfeitar os salões do Clube 12 para o carnaval de Florianópolis. Mais tarde, conheceu e tornou-se amigo de Rodrigo de Haro e de seu pai, o grande pintor modernista Martinho de Haro. No ateliê da Rua Alves de Brito, Martinho e Marcelo gostavam de conversar sobre medicina e arte. O pintor, enxergando no jovem um admirador de sua pintura, mas desprovido de recursos para investir em arte, o presenteou com algumas de suas obras. Em 1981, quando o médico casou-se com Jeanine, também uma grande admiradora das artes, Martinho de Haro deu a cada um deles um retrato. Com o passar dos anos, a coleção foi crescendo, assim como o interesse do casal por conhecer o trabalho e o legado de artistas nacionais e estrangeiros, de todas as épocas e gêneros. Iniciaram-se então as viagens temáticas pelo Brasil e Exterior, nas férias e feriados, sempre com o intuito de aprimorar os conhecimentos e de adquirir novas obras para a coleção. Isto, sem em nenhum momento se descuidar da carreira de médico, que lhe exige até hoje muitas horas de estudos e aperfeiçoamento. A medicina continua sendo a prioridade número 1.
Um desejo antigo de Marcelo e Jeanine era o de que pudessem compartilhar com muitas pessoas toda esta beleza que colecionam. Pois esta oportunidade finalmente chegou. A partir da noite desta quarta-feira, pela primeira vez, uma parte do belíssimo acervo do casal poderá ser apreciada na exposição intitulada Sensos e Sentidos, no Museu de Artes de Santa Catarina (MASC), no Centro de Integrado de Cultura de Florianópolis. A mostra tem como recorte a figura humana, e reúne 120 obras que correspondem à produção dos últimos cinco séculos de países como Portugal, Peru, França, Espanha, Itália e Brasil, incluindo notáveis como Victor Meirelles, Rodolfo Amoedo, Eliseu Visconti, Pedro Américo, Almeida Júnior e Belmiro de Almeida, entre muitos outros. Uma das peças mais incríveis da exposição é um retábulo medieval de madeira, dos anos 1.300/1.400, com mais de 100 quilos, que pertencia a uma igreja europeia.
Além da Sensos e Sentidos, o Masc apresenta outras quatro novas exposições simultâneas: Continentes, Ilhas, Quintais – Paisagens no Acervo do MASC; Eli Heil – Estou Voando; Tercília dos Santos – Os Jardins da Infância; e a terceira edição do projeto Claraboia, com Evandro Machado – Futuro do Pretérito. As mostras são gratuitas, e marcam a pré-celebração dos 70 anos do Museu de Artes de Santa Catarina. A abertura será hoje às 19h, e a visitação a partir de amanhã, das 10h às 21h, com entrada gratuita. Imperdível.