Diante de eventos importantes, como uma entrevista de emprego ou uma prova difícil, é comum ficarmos ansiosos. Ficamos preocupados com algo que ainda não aconteceu e esses pensamentos são constantemente alimentados pela imaginação. Em resposta a isso, o corpo passa a se preparar para enfrentar um desafio: hormônios são liberados na corrente sanguínea, os músculos se tensionam, o coração bate mais rápido e a boca fica seca.
“Uma das características do sucesso da espécie humana é a capacidade de antecipar o perigo, o que requer uma preparação geradora de ansiedade”, explica Márcio Bernik, médico psiquiatra e coordenador do Ambulatório de Ansiedade do IPQ (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP). Ou seja, a ansiedade é um estado emocional “normal” que precede a conclusão de algum evento.
Medo, insegurança e angústia são emoções que todo mundo sente em algum momento ou situação. Entretanto, indivíduos com transtornos de ansiedade (um dos mais incidentes na atualidade, ao lado da depressão) apresentam uma complexidade maior de sintomas. O modo como reagimos a esse agente estressante diferencia uma “ansiedade normal” de uma patologia. “É utilizado o termo ‘transtorno’ porque ele se refere a algo que desorganiza a vida do indivíduo e gera um sofrimento excessivo. A pessoa passa a ter prejuízos em diversas esferas. Não consegue sair, manter um emprego, entre outras”, explica o psiquiatra Felipe Corchs, do Programa de Ansiedade do IPQ.
Os distúrbios de ansiedade são provocados por desordens do sistema nervoso simpático que liberam na circulação quantidades muito altas de hormônios envolvidos na reação de estresse. Quando não tratados, o risco de o indivíduo desenvolver transtorno do pânico é alto. “Uma crise de pânico é algo que pode acontecer de repente. É um medo muito intenso que leva a pessoa a pensar que vai morrer”, complementa Corchs.
A ansiedade está aumentando?
Em 1947, o escritor anglo-americano W. H. Auden escreveu sobre as incertezas de sua época no poema “A era da ansiedade”, que lhe rendeu um prêmio Pulitzer. O título hoje é visto em profusão em revistas e jornais, e embora possa até ter se tornado um clichê, talvez tenhamos, de fato, chegado a esse momento. Um dos estudos mais recentes na área, que reuniu dados epidemiológicos de 24 países, demonstra que quase 30% dos habitantes da região metropolitana de São Paulo apresentam transtornos mentais. O trabalho faz parte da Pesquisa Mundial sobre Saúde Mental, iniciativa da OMS (Organização Mundial da Saúde) que analisa o abuso de substâncias e distúrbios mentais e comportamentais. Os transtornos de ansiedade foram os mais comuns, afetando 19,9% dos entrevistados.
Em fevereiro deste ano, a OMS divulgou um relatório mostrando que o número de pessoas com transtornos de ansiedade no mundo era de 264 milhões em 2015, com um aumento de quase 15% em relação a 2005. Pesam nesse cenário, dizem especialistas, fatores socioeconômicos, como pobreza e desemprego, e ambientais, como o estilo de vida em grandes cidades, além do excesso de tarefas que acumulamos ao longo dos anos.
Nunca tivemos tanto acesso a informações sobre transtornos de saúde mental, estatísticas e diversos tipos de tratamento disponíveis, desde medicamentos até terapias comportamentais e meditação. “Mas é difícil saber se estamos mais ansiosos agora, pois não havia tantos indicadores e pesquisas desse tipo no passado. Talvez em outras épocas tivéssemos outros problemas de saúde mental. Estamos diagnosticando mais atualmente e as pessoas também estão procurando mais ajuda”, comenta Corchs.
O que fazer?
O tratamento dos transtornos de ansiedade inclui o uso de medicamentos antidepressivos ou ansiolíticos, sob orientação médica. O tratamento farmacológico geralmente precisa ser mantido por seis a 12 meses depois do desaparecimento dos sintomas e deve ser descontinuado em doses decrescentes. Entretanto, outras opções de tratamento estão surgindo.
Dr. Daniel Barros, professor colaborador do Departamento de Psiquiatria da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP) e autor do livro “Pílulas de bem-estar”, revela que seus pacientes estranham quando ele sugere a meditação como tratamento coadjuvante para reduzir a ansiedade. “Mas, doutor, como vou conseguir ficar quieto?”, é uma dúvida que ele costuma ouvir nesses casos.
Parece um pouco distante da nossa realidade considerar a meditação como alternativa para transtornos de ansiedade e ataques de pânico, mas algumas práticas, como o mindfulness (atenção plena, um tipo de meditação), já são utilizadas nos EUA e na Europa desde o final da década de 1970. A Inglaterra inclusive já incorporou a técnica em seu prestigiado sistema público de saúde, o NICE.
Por aqui, a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) mantém, desde 2011, um programa de treinamento e estudos sobre o tema. O programa se chama “Mente Aberta” e atende pacientes do SUS encaminhados via Secretaria de Saúde. Por ali já passaram cerca de 400 pessoas. “Normalmente, são pacientes que não conseguiram resolver o problema pelo viés farmacológico e encaram o mindfulness como uma cartada final”, explica Marcelo Demarzo, coordenador do programa.
O plano terapêutico tem oito semanas de duração e os participantes se reúnem semanalmente por um período de duas horas e meia. Para controlar a ansiedade, a pessoa precisa se concentrar no aqui e agora. São utilizadas técnicas para aprender a ter mais consciência da própria respiração e do próprio corpo. “Quarenta e sete porcento do nosso tempo é utilizado para pensar em outras coisas, por isso é importante esse treinamento da atenção. Antes a gente parava e descansava; hoje, paramos e mexemos no celular”, reforça Demarzo.
Fonte: Drauzio Varella / Foto: Pathdoc/Shutterstock