Exames, consultas, cirurgias e, principalmente, remédios. Mais de 50 mil processos correm na Justiça mineira exigindo que o governo arque com algum custo na área da saúde. E conforme o governo de Minas gerais, só em 2016 foram gastos R$ 287 milhões com o cumprimento das sentenças. O número é superior ao custo do programa de atenção básica, que consumiu R$ 204 milhões no ano passado.
De acordo com a assessora-chefe do Núcleo de Atendimento à Judicialização da Saúde da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Patrícia Oliveira, nos últimos quatro anos houve um crescimento de 100% nos gastos com ações em Minas. “São 15 mil processos por ano. O governo tem procurado informar melhor a Defensoria Pública e o paciente para onde buscar o medicamento e evitar o excesso da judicialização”, contou. A especialista afirmou que o fortalecimento do SUS ajudaria a reduzir o problema.
Para Oliveira, é difícil garantir a eficácia no atendimento a todos os quatro mil itens judicializados hoje. A representante da pasta, Daniela de Cássia, também apontou que há processos desnecessários. “Até pães e leite são indicados por nutricionistas e se tornam alvos de processos judiciais”, lamentou.
Já o desembargador do TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) acredita que a crise econômica também reflete nos números. Segundo o magistrado, o direito ao acesso é constitucional e o Poder Judiciário se vê obrigado a atender as demandas da população. Além disso, uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) entende que a União é responsável pelo fornecimento de medicamentos e sugeriu a implantação de notas técnicas para que as decisões liminares sejam mais assertivas. “Hoje são 50 mil ações em curso no Estado. Será fundamental para o controle das ações se os juízes puderem contar com um suporte técnico que identifique o que deve ou não ser judicializado”, explicou.
‘Salvar vidas’
O presidente da Comissão de Direito Sanitário da OAB em Minas, Tadahiro Tsuboushi, defendeu que a primeira finalidade de judicialização é salvar vidas e que 70% da população depende exclusivamente da assistência do SUS. Porém, o dirigente entende que a judicialização tem criado uma nova classe, formada por aqueles que têm acesso a advogados para ter direito à saúde. “Não sabemos ainda se as ações judiciais são um direito do cidadão ou uma instabilidade na gestão”, ponderou.
Por outro lado, o membro do Conselho Regional de Medicina, Hermann Alexandre, entende que os processos judiciais fazem pressão para que o SUS incorpore medicamentos que não estão incluídos no sistema, o que favorece a indústria farmacêutica. A visão é compartilhada pelo diretor de Atenção Primária e Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Pedro Leopoldo, na Grande BH, Orozimbo Neto. “É preciso enfrentar esse segmento. Os médicos confirmam esse tipo de pressão, mas reconhecem que muitos deles aceitam a influência da indústria”, lamentou.
Planos de saúde
O advogado da Abramge-MG (Associação Brasileira de Planos de Saúde), Felipe Rossi, disse que a judicialização não está restrita à saúde pública. Segundo o especialista, 90% dos casos envolvem custos e despesas que não eram considerados nos contratos entre os usuários e o plano de saúde. “São também questões de reajuste, tratamentos não indicados para determinadas doenças e medicamentos”, apontou Rossi.
E uma alternativa encontrada pela Justiça mineira foi a criação do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde em parceria com o Hospital das Clínicas da UFMG. “No NATS, os juízes podem fazer consultas técnicas sobre um determinado medicamento ou cirurgia pedida na ação. Isso dá uma segurança maior para a decisão judicial e tem reduzido muito os erros de sentença”, defendeu o advogado da Abramge.