Após anos de tabu, a depressão, os transtornos mentais e suas consequências estão em pauta na sociedade, sendo tema de campanhas, assunto na mídia e argumento para obras de ficção ao redor do mundo. O debate é fundamental para a saúde mental da população, a medida que ajuda as pessoas a identificar e aceitar os transtornos mentais e procurar ajuda profissional.
Há muito tempo se conhece a influência entre relatos de suicídios a práticas reais. Uma das primeiras associações conhecidas entre os meios de comunicação e o suicídio vem da novela de Goethe, “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, publicada em 1774. Nesta obra, o herói se dá um tiro após viver um amor quase impossível. Logo após sua publicação, começaram a surgir na Europa vários relatos de jovens que cometeram o suicídio usando o mesmo método. Esse processo se chama imitação: quando um suicida acaba sendo um exemplo e incentivando outros suicídios.
13 Reasons Why: suicídio volta a ser destaque na ficção
A nova produção da Netflix, 13 Reasons Why, tem gerado polêmica ao tratar de temas como suicídio, estupro, bullying e solidão. A série, baseada no livro do norte-americano Jay Asher, conta a história de uma adolescente de 17 anos que comete suicídio e deixa uma caixa com sete fitas contando os 13 motivos para ter se matado – atribuídos aos seus colegas do colégio secundário.
13 Reasons Why divide opiniões dos seus espectadores: uns consideram importante a série abordar as temáticas, enquanto outros julgam a série irresponsável, pois pode causar gatilhos, uma espécie de desencadeamento de fortes emoções, em quem tem algum tipo de transtorno.
Berenice Rheinheimer, psiquiatra e membro do Comitê de Prevenção do Suicídio da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS) alerta que não existem orientações específicas para produções fictícias, mas que a OMS elaborou uma cartilha sobre como tratar o assunto em reportagens e blogs. “Desde a Grécia antiga se tem notícias de casos de pessoas que imitam outras ao cometer suicídio. Indivíduos com vulnerabilidades prévias estão mais suscetíveis a obras de ficção, notícias, informações detalhadas sobre casos”, explica a mestre em psiquiatria.
Para o estudante Jhonathan Rath, 22, que possui Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno Bipolar e depressão, a série trouxe gatilhos. “Tive pensamentos suicidas assistindo a 13 Reasons Why. Na verdade, esse pensamento me trazia uma sensação de alívio, como se, somente ao pensar nisso, a dor que eu sentia parasse. Falei com meu psiquiatra e aumentamos o número de sessões, aumentamos uma dose de um medicamento e ele me receitou outro”, conta.
Apesar dos efeitos negativos, o estudante acredita que a série traga conteúdos importantes: “A produção trata de assuntos que precisam ser discutidos para que haja um avanço sócio-cultural. Muitas pessoas sentem medo de serem repreendidas ao admitirem que sofrem algum tipo de transtorno, como depressão ou ansiedade”.
Annie Castro, 21, também estudante, convive com a depressão há anos e optou por não assistir à série. “Eu sabia que a questão do suicídio seria um gatilho pra mim, e só de ver o trailer e ler sobre eu já fiquei abalada. Resolvi não olhar por medo de ficar perturbada psicologicamente, de sentir aquela dor sem sentido de novo, de que, por conta da série, eu tivesse um monte de sentimentos ruins que já não preciso conviver diariamente, por estar buscando tratamento”, explica a jovem.
De acordo com a psiquiatra Berenice, a série apresenta vários pontos problemáticos: Hannah não parece ser uma pessoa com doença mental; há uma culpabilização pela conduta dela, o que se sabe que não deve ser feito em situações de suicídio; quase não há menção sobre buscar ajuda de adultos e a única tentativa que a personagem faz de procurar um adulto foi ineficiente, podendo passar a ideia de que não adianta buscar ajuda. O ponto mais negativo, realmente grave, segundo Berenice, é a cena do suicídio da adolescente, que apresenta uma violência desnecessária e que não acrescenta nada à história, desrespeitando as indicações da OMS.
Logo após a estreia da série, o jogo da baleia azul tomou conta da mídia: uma suposta corrente digital com desafios que vão desde o auto mutilamento até o suicídio. Apesar da polêmica, não há comprovação de que o jogo é real.
Onde buscar ajuda
- CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email, chat e Skype 24 horas todos os dias.
Telefones 141 (24 horas, para todo o país) e 188 (gratuito, apenas para o RS)
www.cvv.org.br
facebook.com/cvv141 - Programa de Depressão na Infância e Adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – tem limitações de atendimento, mas é possível pedir encaminhamento em qualquer posto de saúde público para ser atendido.
- Emergências psiquiátricas SUS.
Em Porto Alegre: Centro de Saúde Vila dos Comerciários (Rua Prof Manoel Lobato, 151) e Centro de Saúde IAPI (Rua Três de Abril, 90).