Do lado de fora, a espera por atendimento médico pode ultrapassar seis horas. Abertas as portas, os pacientes da rede pública de saúde de Belo Horizonte se deparam com a falta de médicos especialistas, medicamentos, insumos e estrutura física adequada. E os problemas não estão restritos aos hospitais filantrópicos. Na UPA Oeste, por exemplo, não tem o básico: sabão e álcool. E isso em um ambiente onde a limpeza é essencial.
A unidade, que atende mais de 300 pessoas por dia, é o retrato do caos da saúde pública na capital. Nas salas de emergência, há pacientes que aguardam mais de dez dias por uma transferência. É o caso de Makele Cristina, que sofre de crises epilépticas e espera a liberação de uma vaga em um hospital. “Ela precisa ser atendida por um neurologista, que não tem aqui, e até hoje não foi transferida. Como eu trabalho, não consigo ficar com ela o dia todo. Só ontem teve três crises de epilepsia”, contou a mãe, Margarida Ramos. Moradora de Macacos, distrito de Nova Lima, na Grande BH, a cozinheira percorre mais de 30 quilômetros todos os dias para acompanhar a filha. “Ela já fez vários exames e está medicada. Não consigo levá-la para casa até uma posição de um médico especializado”, disse.
De acordo com uma funcionária que preferiu não se identificar, a superlotação é constante. E a falta de profissionais também. “O serviço de limpeza, que é terceirizado, é muito ruim. Os trabalhadores faltam e a UPA fica completamente suja. E ainda estamos sem uma copeira para servir a comida aos pacientes. Eles comem quando as enfermeiras têm tempo para levar o alimento”, afirmou. A lista de problemas inclui ainda a ausência de pediatra aos domingos, fita para medir glicemia e aparelhos de pressão.
Condições precárias
A diretora de comunicação do Sindbel (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte), Inês de Oliveira Costa, explicou que a entidade recebe, em média, cinco denúncias por dia sobre as condições precárias nas unidades administradas pela prefeitura. “São vários centros sucateados. E quanto mais distantes da região Central da cidade, maiores são os problemas”, denunciou.
Localizado no bairro Palmares, na região Nordeste, o Centro de Saúde Padre Fernando de Melo teve uma ala inteira desativada após as chuvas de novembro. “Os servidores se desdobram para atender a população. E na parte que não está totalmente danificada, há infiltrações, problemas no piso. Como as cerâmicas se soltam, os fisioterapeutas estão com dificuldade para realizar as sessões. Não tem nenhuma condição de trabalho”, finalizou a diretora do sindicato.
Já no Centro de Saúde São Tomás, na região Norte da capital, os três dentistas da unidade não conseguem trabalhar por falta de material. “Não tem o básico, como equipamento para esterilização, a gestão interna não funciona e a cobrança sobre os profissionais é enorme. Com tantos problemas, os pacientes ficam nervosos, criando conflitos dentro do centro”, apontou uma funcionária que pediu anonimato. E mais uma vez, foi relatada a ausência de sabão e álcool. “Somado a isso, a nossa demanda é muito grande. Como muitas pessoas deixaram de pagar plano de saúde, houve um inchaço no atendimento”, justificou.
Obra parada
Com a promessa de ser concluída em 2013, a UPA Norte está com as intervenções paralisadas desde que a empresa responsável abandonou o canteiro de obras. Conforme a Sudecap (Superintendência de Desenvolvimento da Capital), é aguardada a realização de um novo processo licitatório. Enquanto isso, os moradores da região procuram atendimento na UPA Primeiro de Maio.
Para a dirigente do Sindbel, a unidade é a que mais apresenta deficiências na capital. “A UPA Norte chama a atenção pela infraestrutura inadequada e antiga. Para sanar o problema, seriam necessários mais dois pronto-socorros na região”. Segundo Oliveira, muitos profissionais do local chegam a fazer mais de 30 horas de jornada de trabalho. Pelas redes sociais, o prefeito Alexandre Kalil (PHS) afirmou ontem que reformas acontecerão em todos os centros de saúde da capital.
Ausência de porteiros traz insegurança
Desde o ano passado, os porteiros dos mais de 150 postos de BH foram demitidos após cortes da Secretaria de Saúde na gestão de Marcio Lacerda (PSB). A consequência imediata foi o aumento da insegurança nos locais. O Centro de Saúde São Cristovão, na região Noroeste de BH, já foi arrombado cinco vezes. “Aqui é uma região com muita venda de drogas e o centro fica perto da cracolândia. E a guarda municipal ainda não fica durante todo o tempo de funcionamento”, contou um servidor que preferiu não se identificar.
Secretaria fala em faltas pontuais
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde afirmou que “o modelo assistencial em Belo Horizonte é fundamentado na Atenção Básica”, composta pelos 152 centros de saúde. De acordo com a pasta, os mais de dois milhões de habitantes da cidade contam com 86% de cobertura proporcionada pela assistência das equipes de saúde da família. Sobre os quadros profissionais, a secretaria alegou que podem ocorrer faltas pontuais tanto nas unidades básicas de saúde, quanto nas UPAs. Por fim, o órgão alegou que trabalha para recompor as equipes o mais rápido possível. Sobre a falta de insumos, a secretaria informou que iniciou um diagnóstico sobre as condições de funcionamento das unidades e que vai solucionar todos os problemas.