As doenças relacionadas à saúde mental afetam mais de 400 milhões de pessoas no mundo, de acordo com levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas mesmo com a alta incidência, o preconceito ainda é uma realidade frequente. Não por acaso, são vários os estigmas que envolvem o assunto.
Para ajudar na conscientização sobre o tema e aumentar a divulgação de informações, foi criado o Setembro Amarelo, campanha que se estende ao longo de todo o mês no Brasil e no mundo. Engajado nessa ideia, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (SIMERS) inicia uma série de reportagens que aborda pautas como suicídio, álcool e drogas, depressão e bullying.
A primeira delas, que você confere a seguir, traz as respostas do médico psiquiatra Olivan Diniz dos Santos Moraes sobre os principais mitos e verdades que surgem como dúvida quando o assunto é a saúde mental – e não são poucos.
MITO! Conforme explica o psiquiatra, é comum que se observe uma confusão entre os conceitos de depressão e tristeza. No entanto, é importante que os dois sejam diferenciados em suas dimensões, para que não se banalize o transtorno mental. “A tristeza, assim como a alegria, a raiva e o medo são afetos básicos. São estados afetivos esperados e que permitem uma função comunicativa entre as pessoas”, explica ainda.
Em resumo, é esperado que uma pessoa fique triste diante de uma perda ou dificuldade. A depressão, porém, não se resume apenas a um comportamento afetivo e envolve uma série de critérios de diagnóstico. Entre eles, Moraes lista um estado de humor rebaixado associado a uma perda da capacidade de sentir prazer, além de alterações no apetite, no sono, no peso e na atividade psicomotora.
Também é possível incluir sintomas como diminuição da energia, sentimentos de culpa, dificuldades para se concentrar e pensamentos recorrentes sobre morte. Ou seja, trata-se de um quadro complexo. “Assim, ao se confundir um estado de tristeza com um quadro depressivo, é possível que se prescreva desnecessariamente medicações ou outros tratamentos”, complementa o psiquiatra.
VERDADE! “Sabe-se que este uso abusivo e frequente pode levar ao desenvolvimento de tolerância, sintomas de abstinência, compulsão, dificuldade de controle, abandono de interesses e prazeres causando o que conhecemos como dependência química. O próprio uso abusivo de substâncias já é classificado como um transtorno mental”, lembra Moraes.
Inclusive, ele aponta que já foram desenvolvidas hipóteses diagnósticas que ajudam a entender essa relação. No modelo conhecido como bidirecional, por exemplo, a síndrome do pânico é atribuída ao consumo excessivo de álcool (e vice-versa).
Também há pesquisas que colocam o consumo de maconha como precipitador de esquizofrenia. Já um estudo realizado em 2013 pela Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, encontrou semelhanças nas alterações cerebrais encontradas em quem sofre com a doença e naqueles que são usuários contínuos da droga.
MITO! Você certamente já ouviu alguém ser chamado de bipolar após mudar de opinião ou humor em um curto período de tempo, certo? Porém, é importante evitar esse tipo de associação e deixar o preconceito de lado. Como destaca o psiquiatra, aqui também é fundamental entender a relação de afetos como tristeza e alegria e o modo como eles se manifestam em cada situação.
“Posso experimentar um momento de extrema alegria, por exemplo, ao rever um amigo que há tempos não o via e, momentos depois, ser tomado por extrema tristeza ao saber que sua mãe, pessoa que tanto admirava, faleceu há poucos dias. Não se trata de um transtorno mental e sim de reações coerentes aos fatos”, exemplifica.
O transtorno de humor bipolar, de outro modo, representa um quadro patológico, que não está relacionado de forma diretamente causal com acontecimentos do cotidiano. Nesse caso, é importante que exista um tratamento contínuo, capaz de permitir uma estabilização de humor. Quando não recebe a atenção ideal, a bipolaridade pode oferecer grave prejuízo à rotina social e profissional do paciente.
MITO! Esse é um estigma frequente e que afasta muitas pessoas do tratamento que precisam. Felizmente, Moraes destaca que é possível observar uma alteração progressiva nesse cenário, mesmo que ainda seja lenta.
“O acesso à informação, os avanços nos planos de tratamento dos transtornos psiquiátricos e uma melhor compreensão sobre as patologias existentes e suas consequências, principalmente se não tratadas, contribuíram muito para isso. Assim, penso que os prejuízos vivenciados pelos portadores dos transtornos mentais e suas famílias com o ‘não tratamento’ ou tratamentos inadequados estão cada vez mais perceptíveis”, lembra ele.
Um exemplo que permite observar a situação com ânimo é a evolução do modo como se olha para a dependência de substâncias. Se antes existia um estigma puramente moral, hoje o quadro já começa a ser visto como uma doença psíquica, que exige cuidados de saúde. Ainda assim, há muito a ser feito para alcançar o panorama ideal de assistência.
DEPENDE! Como cada caso de transtorno mental oferece um quadro diferente, é difícil definir um padrão único. Dependendo das opções disponíveis e do nível de gravidade, é possível que o tratamento seja feito em casa, em uma unidade básica de saúde, no hospital ou em um Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS), com indicação medicamentosa ou não.
“Assim, com ressalvas às individualidades de cada caso, é possível realizar tratamento de um episódio depressivo com terapia medicamentosa exclusiva, o que não exclui a necessidade do vínculo entre o profissional de saúde e a pessoa que busca o tratamento. Como sempre disse o professor dr. Ely Atalla Cheffe: ‘o melhor remédio para uma pessoa é outra pessoa’”, entende Moraes.
MITO! Um dos maiores erros quando o assunto é o suicídio é achar que alguém que diz que vai se matar só quer chamar a atenção e jamais colocaria a ideia em prática. Moraes destaca que a realidade é bem diferente e que a verbalização de pensamentos suicidas não deve ser ignorada.
Também é errado dizer que quem sobrevive a uma primeira tentativa não tenta novamente. Pelo contrário, é preciso ter cuidado redobrado e procurar ajuda especializada. “Ouvir e falar sobre o assunto com o paciente em sofrimento aumenta a chance de poder ajudá-lo a reduzir a ideação e buscar tratamento efetivo”, aconselha ainda o psiquiatra.
Fonte: Simers