Núcleo Acadêmico do Simers reuniu alunos e mestres para avaliarem o passado, reconhecerem o presente e pensarem o futuro da profissão médica no Brasil, em evento realizado na PUCRS no final de semana
O Núcleo Acadêmico do Simers (NAS) promoveu no último final de semana, o encontro: “Política e futuro: os desafios da Medicina”. Estudantes de Medicina de diversas regiões do Rio Grande do Sul estiveram reunidos durante todo o último sábado, 24, para ouvir, falar e debater sobre o passado, o presente e o futuro da profissão, incluindo temas como a mercantilização da Medicina, a abertura de novos cursos, a importância da realização da prova de proficiência, como está a profissão hoje e qual futuro os espera. O auditório do Prédio 50 da PUCRS esteve lotado durante todo o dia, com participação ativa de estudantes, profissionais do mercado e representantes do Simers, configurando este como o maior encontro já promovido pelo NAS, segundo sua direção.
O presidente do NAS, João Pedro Silva dos Santos, abriu os trabalhos ao lado do Coordenador do Interior, Pedro Henrique Consorte, chamando a atenção dos estudantes para a importância do trabalho do Núcleo, sobretudo, para unir os futuros médicos ao Simers. “Todas as quartas-feiras compartilhamos conhecimentos e discutimos questões importantes para a nossa profissão. Importante, também, nos unirmos na mesma ideologia, no mesmo pensamento de futuro em relação ao sindicato, que oferece acolhimento e informação aos médicos em todas as etapas da profissão”, pontuou Consorte.
A proliferação de cursos de Medicina pelo país – No primeiro painel do dia, a advogada do Simers Denise Kundzin Risso abordou o impacto da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 81), que trata da abertura de novos cursos de Medicina pelo país. “É louvável vocês já estarem se movimentando no sentido de saberem mais sobre as questões legais que envolvem a profissão, para que, no futuro, não ocorram problemas como profissionais de outras áreas enfrentaram porque ignoravam a legislação”, ressaltou.
Laura Metzdorf Hessel, estudante do 10º semestre de Medicina e integrante da diretoria do NAS, destacou uma imagem, com um grupo de cerca de 12 estudantes atendendo uma só paciente em uma aula em universidade, e como a cena representava a possibilidade de um atendimento falho. João Pedro abordou a demografia médica e a distribuição desigual entre cursos e profissionais de Medicina pelo país, além da precarização da qualidade das faculdades de Medicina.
“Discrepâncias revelam a demografia desigual de médicos pelo país e um boom de criação de escolas de Medicina que, na maioria das vezes, não se reproduz em mais e melhor atendimento para a população”, resumiu João Pedro. “Se antes não havia tantas vagas para cursar Medicina e os conhecimentos eram avaliados para entrar no curso, hoje a residência médica se transformou no novo funil para avaliar a qualidade da formação do médico, já que vagas em cursos de Medicina não falta”, observou o presidente do NAS.
Prova de Proficiência
Conteúdo, modelos, critérios de avaliação e impactos de prova de proficiência médica pelo mundo e no Brasil foram abordados na segunda mesa do dia, com os diretores do NAS Afonso Seganfredo, Pedro Engster, Laíse Barp, Eduardo Klein, Claiane Teza e Jonas Reis. O grupo lembrou que a justificativa para a realização da prova de proficiência médica era a má qualidade da formação dos profissionais nas faculdades, ao mesmo tempo em que o candidato pode ser punido pela falta de qualidade do ensino de faculdades que se proliferam pelo país.
“Com cursos tão diferentes uns dos outros, a uniformização da prova poderia garantir que todos nós tenhamos aquilo que é considerado o mínimo necessário para dar um bom atendimento aos pacientes, que é o que queremos”, ressaltou Jonas. “Precisamos perseguir um monitoramento contínuo do curso e das provas realizadas, em busca de um padrão de competência, que é o que esperamos durante a faculdade, no internato e depois, profissionalmente, respeitando as diversidades de um país continental como o nosso.”
Natália Boff de Oliveira, diretora do Núcleo Acadêmico do Simers, complementou: “Eu me formei há dois anos pela ULBRA e, desde então, eu trabalho na atenção primária em Porto Alegre. Ninguém se forma sabendo tudo. Eu fui formada num sistema em Canoas que, quando eu cheguei em Porto Alegre, era diferente. Também temos outras perspectivas profissionais, como a do médico que vai se formar, vai ter o seu diploma, uma graduação, poderá fazer um mestrado, um doutorado, atuar em pesquisa, por exemplo. É preciso ver a profissão de forma mais ampla também”.
A manhã terminou com a fala de Márcio Spagnol, médico internista, que abordou a Medicina Hospitalar como especialidade médica – a especialidade que cresceu mais rapidamente na história da Medicina americana e uma das maiores áreas de atuação para os Estados Unidos, hoje. Spagnol tratou de vários aspectos da Medicina praticada em hospitais no Brasil e convidou os participantes a prestigiarem o 5º Congresso de Medicina Hospitalar, marcado para os dias 11 e 12 de novembro, no Centro de Eventos da PUCRS, em Porto Alegre.
Presente, passado e futuro
A tarde começou com um bate-papo com os doutores Nadine Claussel, Jair Ferreira e Angelo Fajardo, cada um falando a respeito de sua experiência na profissão. Os alunos vibraram com as histórias dos profissionais e foram alertados para algumas questões que são fundamentais para quem quer exercer a Medicina em sua plenitude. Aqui, algumas delas.
“No Brasil, trabalhar com saúde pública eu considero quase uma obrigação do médico. É uma entrega social que a gente tem que, de alguma maneira, contribuir. ‘Ah, não, mas eu não vou conseguir, não quero’. Bem, então faça a diferença com outras questões, trabalhe de uma maneira que seja efetivamente voltada à vocação médica. E aí vem um negócio meio mágico, que vem lá do juramento de Hipócrates, no qual eu acredito muito, que é de realmente querer fazer o bem, de querer fazer a diferença, ser generoso, acho que isso são coisas que só a Medicina oferece. Não há nada igual a chegar na beira do leito de um paciente e ficar de mão com o paciente, como eu fiz hoje de manhã com uma paciente nossa transplantada que está lá no CTI do Clínicas. E batalhem pela residência, porque faz diferença, e faz diferença para vocês, para vocês se sentirem mais seguros. Para vocês sentirem que estão fazendo a diferença para os pacientes, com segurança.” (Nadine Claussel, Ex-Diretora Presidente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, graduada em Medicina seguida de residência médica em Medicina interna, phd em Medicina cardíaca, professora da UFRGS e líder em pesquisa no Hospital de Clínicas)
“Eu fui o primeiro médico de toda a história da família. Mas a minha família era uma família que valorizava extremamente a ciência. Não tinha superstição, não tinha nada mágico, tudo assim. A ciência explica tudo. E o que não explicou, vai explicar um dia. Então, eu tive uma mentalidade desde cedo, desde criança, mentalidade científica. Daí me dirigi para a Medicina, entrei na Medicina em 1965, faz quase 60 anos. Me formei em 1970, sem saber que médico eu devia ser. Isso pode estar acontecendo com vocês. Não sei ainda, lá da Medicina eu vou, já que o leque é muito grande. Não se preocupem. As coisas na carreira da gente podem tomar rumos que a gente não espera. Porque as portas que se abrem, às vezes, não são aquelas que a gente espera. E as que a gente espera, às vezes, não se abrem. Então, não se preocupem se agora, neste momento, vocês estão na faculdade, em diferentes níveis, se vocês ainda não têm uma noção exata do que quer fazer. Às vezes você tem uma noção exata do que não quer fazer. E está tudo bem.” (Jair Ferreira, dermatologista, professor de Epidemiologia, atuou na área de planejamento em Saúde Pública, especialmente com relação à hanseníase, tendo sido responsável pela informatização dos dados do RS, sistema pioneiro mundialmente, e pelo programa de AIDS no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, onde também segue como professor e assessor, tendo acompanhado desde a primeira notificação de caso da doença em 1983).
“Nasci em Minas Gerais, fui para Rondônia, onde me formei, hoje faço residência médica no Hospital de Canoas, aqui no Rio Grande do Sul. Digo aqui para vocês viverem a faculdade, viverem esse momento que vocês estão vivendo para se preparar para o futuro. Eu lembro que em 2015, quando eu comecei a faculdade, teve um evento lá em Porto Velho com o professor Celmo Celeno Porto. Imagina eu no primeiro período de Medicina já ter uma palestra com essa pessoa. Eu me encantei. Eu vi, é isso que eu quero. A faculdade me ensinou Medicina, me ensinou as técnicas, as teorias, como manejar, me ensinou a organizar, trabalhar em grupo, a resolver problemas, a fazer a diferença e a agir além das salas. Eu sei que às vezes a gente fica muito bitolado em aprender o que cai na prova. Mas, acima de tudo, você vai ser médico. Aprenda Medicina. Faça residência médica. Na residência, você passa os perrengues, você aprende a aplicar tudo aquilo que você aprendeu na faculdade. É na residência médica que você aprende a ser médico. (Ângelo Fajardo, membro do núcleo do Médico Jovem do Simers)
Para praticar: Pílulas Éticas
O encontro do NAS terminou com a atividade “Pílulas Éticas”, quando os participantes foram divididos em grupos e apresentados a questões que podem surgir na profissão. O desafio era que cada grupo apresentasse a sua resolução para determinado problema. Segundo a banca, todos se saíram muito bem. Natália Boff de Oliveira, diretora do Núcleo Acadêmico do Simers, reforçou a importância dos estudantes e futuros profissionais contarem com o sindicato. “É fundamental vocês terem a segurança enquanto estiverem trabalhando. Utilizem a Assessoria Jurídica do Simers. Eu sempre digo nas palestras, eu espero que vocês não precisem, mas se vocês precisarem, por favor, utilizem. Para qualquer situação, seja em plantão, se vocês não sabem o que fazer, se têm alguma situação, liguem para o sindicato. Vocês não estão sozinhos.”
Ao final do evento, o presidente do NAS resumiu a satisfação de entender que os objetivos do encontro foram alcançados. “Tivemos um grande encontro, um evento que conseguiu trazer representantes de todas as cidades aqui para dentro das grandes discussões que temos em relação à política médica, incluindo o depoimento de grandes profissionais da Medicina. Saímos todos muito felizes com o resultado”, concluiu João Pedro Silva dos Santos.