Como representante da Federação Médica Brasileira-FMB e vice-presidente de um Sindicato Médico, tenho a necessidade de compreender as diversas ramificações do Sistema Único de Saúde-SUS, incluindo a necessidade de infraestrutura adequada e adaptada para populações específicas nas diferentes regiões do Brasil Continental.
O SUS é o principal local de trabalho do Médico Brasileiro e, desta forma, é necessário que este profissional esteja preparado para as demandas e desafios deste sistema. O primeiro obstáculo encontrado é a dificuldade de gerir unidades de saúde pelos gestores municipais devido a diversos fatores como inexperiência e falta de conteúdo técnico inerente à pasta da saúde. Como consequência, é comum a carência de materiais básicos como computador, prontuário eletrônico que interligue os diversos setores da unidade de saúde e da secretaria de saúde, assim como um dimensionamento equivocado do número de profissionais para as unidades de saúde. Outros pontos que dificultam o devido acompanhamento da saúde da população é a dificuldade de realizar exames de diferentes tipos assim como conseguir a medicação básica para o acompanhamento das principais doenças entremeadas na nossa população. O tripé problemático do SUS que será o norteador desta reflexão: gerenciamento-profissionais-infraestrutura.
Nas cidades é mais fácil de observar a dificuldade do acesso à saúde pela população. Mesmo existindo diversas unidades de saúde espalhadas pelos diferentes bairros da cidade, disponibilidade de transporte público e ruas pavimentadas, a população enfrenta falta de vagas para consultas com os profissionais, dificuldade de marcar retorno para as consultas, demora para a realização de exames, falta de estoque programado de medicamentos básicos para os programas e ausência de uma equipe multidisciplinar que garanta autonomia para a população cadastrada em um posto. Este é o retrato constante das unidades de saúde dos diversos municípios do país. O que acontece quando fatores geográficos, culturais, históricos, políticos são colocados neste debate? Precisamos nos aprofundar nestes assuntos para podermos compreender e elaborar estratégias para as populações indígena e negra.
Para atendimento adequado da população negra é importante assimilar algumas realidades. A escolaridade da mãe é o primeiro fator de relevância na mortalidade infantil e o segundo é a raça; 29% da população negra no Brasil nunca foi ao dentista ou não consulta um profissional há mais de três anos; o “exame da orelhinha” ou Triagem Auditiva Neonatal–importante para detectar possíveis problemas de audição nos recém-nascidos, cerca de 24,2% das crianças negras não fizeram o exame em contraponto aos 12% de crianças brancas.
A Hipertensão Arterial Sistêmica-HAS e o Diabete Mellitus-DM representam duas doenças que são grandes causas de morbimortalidade no Brasil, afetando em especial a população negra. A HAS tem relação genética em 30 a 40% dos casos, sendo causa de 12 a 14% de mortes. É mais prevalente em homens e negros.
A DM é mais prevalente em negros, sendo a quarta causa de morte geral e a principal de cegueira. A frequência é de 9% a mais em homens negros e 50% maior em mulheres negras do que brancas.
Um aspecto determinante do acesso à saúde pela população negra é a territorialidade. A dinâmica das cidades favorece a centralização da população branca, enquanto a negra se organiza mais na periferia. A distância geográfica do acesso ao serviço é exacerbada quando se considera que a rotatividade dos profissionais é maior nestas localidades.
A população indígena apresenta uma maior necessidade logística para o acesso da saúde: censo de 2022 demonstra um aumento de 84% desta população (1.652.876 indígenas); grande diversidade, abrangendo 305 grupos étnicos e 274 idiomas; em 2020, 766.519 pessoas indígenas cadastradas nos 51 Distritos Sanitários Especiais Indígenas-DSEI, média de 15 mil pessoas por DSEI; seus hábitos alimentares, dificuldade do acesso à comida levam à insegurança alimentar; questões relacionadas à saúde mental e o uso crescente de medicamentos psicotrópicos, elevado consumo de álcool; taxa de suicídio, 21,8 por 100 mil habitantes em 2014, ser quatro vezes maior que a população brasileira, em geral; a mortalidade infantil é maior que dos outros grupos populacionais.
Como uma amostra da complexidade do atendimento da população indígena é importante entender que o uso de álcool entre os povos indígenas tem diversos efeitos, tanto positivos–como práticas tradicionais ancestrais em contextos rituais, mediação política de conflitos grupais, festividades, atividades laborais–quanto negativos–como processos de desagregação social e familiar e desarticulação das comunidades.
Como a Federação Médica-FMB e seus sindicatos médicos de base podem ajudar no enfrentamento destes desafios?
Adaptar uma equipe multidisciplinar para atender uma população exige várias competências. Não é suficiente apenas construir paredes, arrumar cadeiras em volta de uma mesa de atendimento e disponibilizar uma maca para exame físico. É necessário ouvir e capacitar os profissionais para compreender as diferenças de costumes, comportamentos, crenças e saber conviver e dialogar com as diferenças que afloram no convívio humano. De todas as habilidades importantes para o sucesso do acesso à saúde adequado da nossa população a mais importante é capacidade do gestor de um município, do estado ou mesmo de um secretário de saúde de saber gerenciar uma pasta tão complexa como da saúde de forma racional e responsável, valorizando as necessidades inerentes da população e o respeito ao trabalho dos profissionais da saúde.
A FMB e seus sindicatos de base têm a preocupação constante de ouvir a categoria Médica e pautar os gestores públicos na mediação de problemas que afligem o trabalho Médico e o atendimento de qualidade da nossa população. Na medida que a complexidade do atendimento da saúde aumenta com o crescente interesse para o atendimento dos povos tradicionais, a FMB se mobiliza para acompanhar de perto dos profissionais Médicos nesta jornada contribuindo para o incremento de políticas públicas da saúde e beneficiando o devido acesso à saúde da multifacetada e gigante população brasileira.
Nota: Resumo da apresentação do Dr Edmar Fernandes, secretário de Comunicação da FMB e vice-presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará, que integra os Anais da 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, realizado em julho de 2024, em Belém, Pará.