Pacientes internados na Santa Casa de São Paulo e seus familiares têm sido obrigados a comprar remédios e outros insumos que não estão sendo fornecidos pelo hospital durante o período de tratamento
A reportagem ouviu relatos de três famílias sobre a situação crítica da
entidade, que está em grave crise financeira e atolada em dívidas.
O aposentado Calixto Bonsante, 71, sofre de problemas no pâncreas e esteve internado na Santa Casa entre os dias 15 de julho e 8 deste mês. Sua filha, a garçonete Lilian Bonsante de Oliveira, 35, afirma que a família foi obrigada a desembolsar cerca de R$ 350 para comprar fitas para medição de glicemia, drenos para uma operação, remédios diversos e curativos.
“Os funcionários nos disseram que não tinham como fornecer o que foi preciso comprar, que era melhor a gente providenciar. Ficamos sabendo que o hospital passava por crise, mas não tinha ideia de que estava nesse ponto”, afirma Lilian.
A garçonete conta que chegou a fazer uma reclamação formal na ouvidoria do hospital, mas ainda não obteve resposta. “Antigamente, a Santa Casa era referência para o atendimento dos menos favorecidos. Hoje em dia o cenário mudou bastante”, reclama Lilian.
Já o aposentado Cícero Costa Medeiros, 75, está internado há 15 dias por causa de trombose nas pernas e diabetes. Seu filho, o taxista Márcio Rodrigues, 43, conta que os parentes já gastaram cerca de R$ 250 para comprar fitas de medição de glicose, gazes e outros insumos para curativos.
“A gente não queria gastar por contra própria, mas não teve jeito. Queremos que o meu pai tenha o melhor atendimento possível. Mas o hospital deveria ser totalmente gratuito, como sempre foi”, afirmou o taxista.
A Santa Casa é uma entidade privada, filantrópica, e recebe recursos por meio do SUS, governo do estado, prefeitura, convênios e doações. Em 2016, pegou empréstimo de R$360 milhões da Caixa Econômica Federal.
Um comerciante de 63 anos, que pediu para não ter o nome divulgado, conta que ficou internado nas últimas semanas na Santa Casa, em virtude de problemas de circulação no pé esquerdo.
Ele diz que gastou, somando com seus familiares, aproximadamente R$ 250 para comprar soro fisiológico para assepsias, óleos, gazes e outros insumos para viabilizar curativos e amenizar a dor na perna.
O comerciante diz que o hospital está em uma situação muito precária e que viu, em seu período de internação, que faltam itens básicos todos os dias. Por causa das complicações dos problemas circulatórios, o comerciante teve de amputar parte da perna durante o período de internação. O hospital, segundo afirma o comerciante, teria prometido providenciar uma prótese e também fornecer acompanhamento psicológico.
“Por causa do corte, os cuidados com os curativos foram ainda maiores, aumentando os custos. Espero que o hospital se recupere e volte a ter atendimento de qualidade”, disse.
A Santa Casa resolveu lançar, em maio deste ano, quando a dívida do hospital
estava em cerca de R$ 700 milhões, um projeto em que pessoas físicas e jurídicas podem doar kits cirúrgicos para atender pacientes que estão em filas de procedimentos sem urgência e de diferentes complexidades.
Em uma iniciativa piloto, cerca de 20 taiwaneses bancaram kits para 60 cirurgias ginecológicas, com investimento de R$ 65 mil. O grupo acompanhou da compra até a entrega dos insumos.
Quem adotar o kit não pode escolher o paciente nem terá ingerência no procedimento. As cirurgias vão respeitar filas e urgência. No departamento de ginecologia, por exemplo, a espera vai de três meses, para casos mais simples, a cinco anos, para os mais complexos.
Em média, um kit para operação ginecológica custa R$ 1.000, mas há cirurgias de outras áreas que demandam por mais materiais, que podem chegar a R$ 30 mil todo o conjunto. A meta é fazer com que grandes empresas ou instituições doem grandes lotes de cirurgias.
Em nota, a Santa Casa diz que não é prática da instituição transferir a responsabilidade de aquisição de materiais ou medicamentos a seus pacientes e familiares. Alegou que existe um rigoroso processo de controle de entrada de insumos provenientes de doação.
Apesar dos relatos à reportagem, a instituição argumenta que o caso do paciente Calixto “deve se tratar de algo isolado”, não considerando os outros depoimentos.
Sobre o programa de doação de kits, a Santa Casa afirma que só recebeu, até agora, os R$ 65 mil do projeto piloto. A respeito da crise financeira, explica que realiza “ajustes estruturais”.