Pessoas das classes A e B, com curso superior e jovens, são o perfil dos pacientes que usam a internet para se autodiagnosticar, segundo levantamento do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), entidade de pesquisa e pós-graduação na área farmacêutica. O terceiro estudo do instituto sobre o tema apontou que 40,9% dos brasileiros fazem autodiagnóstico pela internet. Desses, 63,84% têm formação superior.
Na pesquisa anterior, de 2016, o índice de autodiagnóstico online foi de 40%. Na edição atual, os pesquisadores resolveram traçar o perfil de quem busca diagnósticos na internet e foram surpreendidos pelo resultado. “Na pesquisa anterior, não tínhamos esse recorte socioeconômico. É uma novidade e foi algo que nos surpreendeu muito, porque imaginávamos que quem se autodiagnosticava eram pessoas que não têm acesso ao médico, mas, pesquisando mais a fundo, são pessoas das classes A e B, esclarecidas e com poder econômico para buscar uma informação de saúde mais concreta e consciente”, diz Marcus Vinicius Andrade, diretor de pesquisa do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico do ICTQ.
Na classificação econômica, 55% das pessoas que fazem autodiagnóstico são das classes A e B e 26%, das classes D e E. “Pessoas de baixa renda ainda buscam mais o médico em prontos-socorros. Quanto mais idosas, mais as pessoas recorrem ao médico, pois têm dificuldade com a internet de modo geral.” O levantamento foi feito em maio deste ano em 120 municípios, incluindo todas as capitais, e ouviu 2.090 pessoas com mais de 16 anos.
Para os pesquisadores, o imediatismo está entre as motivações. “Isso acontece principalmente entre os jovens. A geração de 16 a 34 anos é a mais imediatista. O que a gente concluiu é que essas pessoas têm mais acesso à internet e aos smartphones”, avalia Ismael Rosa, farmacêutico clínico e pesquisador do ICTQ. A professora Isabella Oku, de 28 anos, é um exemplo. “Evito ir a consultas em relação a certos sintomas, coisas que não são tão graves, como alergias.”
Há cerca de oito meses, ela está com um desconforto na unha, que coça sempre que ela vai à manicure. Ela pesquisou uma pomada na internet e está usando. “Não quero ter de esperar o médico ter disponibilidade para me atender.”
Na semana passada, com dor de garganta, Isabella já chegou ao médico dizendo que estava com amidalite. “Tomei um antibiótico e não adiantou nada. O médico falou que eu estava resfriado e isso é muito genérico.”
Riscos
Denize Ornelas, médica e diretora de Comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), diz que o número de pacientes que chegam aos consultórios com autodiagnóstico e automedicação é crescente. “O maior impacto é quando chegam por efeitos colaterais ou interação medicamentosa. O principal problema é retardar o diagnóstico.”
Ela defende que a relação entre médico e paciente seja fortalecida para evitar que as pessoas tenham consequências mais graves. “A maior parte das doenças começa com dor, febre, indisposição, sintomas mais gerais. Se o paciente se automedica e não espera a progressão, pode estar mascarando uma doença. Uma dor abdominal pode ser azia e má digestão, mas, se você faz uso constante de um antiácido, pode estar retardando um diagnóstico de câncer de estômago. É raro, mas pode acontecer.”
Remédio sem prescrição deve ter uso restrito
Em 2016, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) definiu os critérios para que medicamentos pudessem ser considerados isentos de prescrição médica, entre eles não ter potencial para causar dependência, não ter indicação para doenças graves e ser tomados por curto período de tempo.
“São feitos para sintomas menores, do dia a dia, como dor de cabeça, indisposição estomacal. A frase ‘se persistirem os sintomas, o médico deve ser consultado’ tem de ser um mantra”, afirma Marli Sileci, vice-presidente executiva da Associação da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição.
Parceria
Em 2016, o Google e o Hospital Israelita Albert Einstein fecharam uma parceria para oferecer informações confiáveis para usuários que fazem buscas na área da saúde por meio de quadros com dados sobre as doenças revisados pelo hospital.
No ano passado, o projeto foi ampliado e passou a ter dados sobre os sintomas. “Esta busca de sintomas aparece somente em celulares, uma vez que a maior parte das visitas é via mobile”, destaca o centro médico.
‘Automedicação total. Vou bem pouco ao médico’
O analista de negócios Raul Almeida, de 27 anos, está entre os 63% dos brasileiros com nível superior que têm o hábito de se autodiagnosticar pela internet. Ele busca os sintomas de doenças no Google, não gosta de ir ao médico por achar burocrático e cansativo – apesar de ter plano de saúde -, e só sai de casa com uma bolsinha de remédios básicos.
Em uma das últimas vezes que recorreu ao hospital, aguentou três semanas sentindo coceira e tentando se tratar com xarope antialérgico. “Estava coçando pouco na primeira semana. Joguei no Google as palavras ‘manchas vermelhas no corpo’. Aí falou que podia ser sífilis ou alergia e para todas essas coisas o tratamento era Benzetacil. Tentei tomar só xarope, mas já na terceira semana estava muito ruim. Precisei ir correndo para o hospital. Cheguei lá e falei: isso é uma bactéria. O médico confirmou e tomei a Benzetacil”, conta.
Para Almeida, a regra é: se o nariz coçou, lava com Rinossoro ou banho quente. Se sentiu dor de cabeça, compra Tylenol e Advil. “Faço automedicação total”, admite. Aliás, na bolsa, o que “nunca pode faltar”, diz ele, é Advil. “Aciclovir porque tenho herpes desde pequeno, Strepsys para a garganta é bom ter também. E algum sorinho para lavar o nariz.”
“Esses dias minha gengiva estava sangrando. Joguei no Google ‘gengiva sangrando’. E dizia que podia ser provocada por causa dos dentes. Pensei que provavelmente está inflamada porque ainda tenho todos os meus sisos. Não posso tirar os sisos agora por falta de dinheiro. Mas também pode ser outras coisas, né? Pode ser gengivite… Não tenho a confirmação, mas também não me automediquei.”
O analista de negócios tem plano de saúde da empresa onde trabalha e confessa que não gosta de ir ao médico por “pura preguiça”. “É fadiga, é fila. Você chega lá e tem um monte de gente doente, aquele clima ruim… Tem de esperar senha, se cadastrar. Parece banco. Tenho paciência zero para ficar esperando. É todo um processo.”
Internet
Almeida defende ainda que no Brasil as consultas e as prescrições deveriam ser feitas por médicos virtualmente, seguindo moldes internacionais, onde o paciente pode ser consultado online, usando o tablet ou o computador. “Se fosse um cenário assim, com certeza ia ser mais fácil. Mas como é muito burocrático, vou bem pouco mesmo ao médico.”
Fonte: Estadão Conteúdo / Foto: KatarzynaBialasiewicz / iStock