Entre 2002 e 2015, o governo federal foi a esfera de gestão que mais utilizou recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), seguido pela esfera municipal. Apesar disso, foram as prefeituras e os governos estaduais que mais contribuíram para sustentar a estrutura, com uma participação que foi sendo gradualmente ampliada ao longo desse período.
As conclusões são de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Ministério da Saúde, que lançaram, hoje (20), a publicação Contas do SUS na Perspectiva da Contabilidade Internacional, durante o 1º Simpósio de Economia da Saúde. De acordo com o estudo, a União começou garantindo 52% das verbas destinadas à rede pública de saúde, cota que seguiu em curva decrescente até atingir 43% em 2015.
No intervalo analisado, as despesas por habitante cresceram 3,5 vezes no nível federal, 4,9 vezes no nível estadual e 5 vezes no plano municipal. Os valores despendidos com ações e serviços públicos de saúde passaram, de 2002 para 2015, de R$ 24,73 bilhões para R$ 100 bilhões no âmbito federal; de R$ 10,75 bilhões para R$ 60,56 bilhões, no estadial; e de R$ 12,05 bilhões para R$ 72,11 no municipal. Englobando as três esferas, os gastos com saúde somaram R$ 232 bilhões em 2015, totalizando 3,94% do Produto Interno Bruto (PIB), proporção que, em 2002, era 3,21%.
Mudanças
Para Angélica Borges, uma das autoras do levantamento, por meio do estudo, notou-se que o protagonismo de entes municipais e estaduais tem promovido mudanças no cenário de saúde do país, como o aumento dos pontos de Ambulatório Médico de Especialidades (Ames). “Os municípios estão, na verdade, cobrindo uma necessidade percebida, que é [ter] mais especialidade, que é [uma carência] real”, disse Angélica.
A descoberta, segundo a pesquisadora, foi surpreendente. “Fui ver e encontrei São Paulo, com bilhões de reais em Ames, outras prefeituras também, para atender a uma demanda do cidadão, que não tem aonde ir para consultar com oftalmologista, ir à ortopedia, essas coisas que são do dia a dia e a que ele não tem acesso. Nesse período, o município começou a bancar isso também. Essa leitura da necessidade do cidadão o município tem melhor, talvez, do que o governo federal.”
Avaliando o desempenho das prefeituras como “muito boa”, a pesquisadora disse que a decisão de tomar as rédeas da gestão de algumas unidades tem sido uma resposta à crise do país, de cortes orçamentários e medidas tomadas pelo governo Michel Temer. “Agora a gente tem um problema, porque [o governo federal] deu muito suporte a estados – alguns mais, outros menos – e a gente está tendo uma retração de financiamento que não sei como os municípios vão conseguir dar conta. É o que os secretários falam: o cidadão bate na porta do secretário municipal, não do ministro da Saúde.”
Objetivo
Angélica disse que a ideia da pesquisa é propiciar o monitoramento das contas públicas à sociedade civil, que poderá conferir o balanço do período 2015-2018 no final do ano que vem. Esta é a primeira vez que equipes se concentram em colher dados de diversas fontes e reuni-los sob uma forma mais simples e inteligível. No início de 2020 deverá ser lançado um relatório que aborda os gastos em saúde suplementar, que abrange planos particulares de saúde, expondo valores de 2016 e 2017, e outra que revelará o quanto, na prática, o brasileiro desembolsa em troca de atendimentos.
A pesquisadora elogiou o SUS, admitindo que ela mesma, como médica, reprovou o projeto, criado pela Constituição Federal de 1988, e acabou mudando de opinião. “Quando o SUS começou, eu era supercrítica, mas, com o tempo, eu fui me rendendo. A gente mudou a lógica de país com o SUS. As pessoas têm que se dar conta disso, preservar isso. Criou-se um sentimento de solidariedade.”
Fonte: Agência Brasil / Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil