O médico Eduardo Vieira, presidente do Sindicato dos Médicos de Sorocaba e Região (Simesul), concedeu entrevista ao Jornal Cruzeiro do Sul na quarta-feira (16). Na ocasião, ele expôs seu ponto de vista com relação a gestão compartilhada em tramitação pela Prefeitura de Sorocaba na saúde da cidade, debateu a questão da qualidade e da eficiência do setor e ainda falou no convencimento como forma de evitar a concretização do processo de desmunicipalização da saúde.
“A terceirização não estava dentro do projeto do SUS. Vejo a terceirização como um desvirtuamento”, abriu Vieira ao ser questionado sobre o tema. O médico foi um crítico com relação a terceirização realizada em Sorocaba em 2013, quando a gestão da UPH da zona leste passou a ser gerida pelo Banco de Olhos de Sorocaba (BOS). “Essa crítica ao modelo de terceirização vem desde essa época, em 2013, quando a gente não fazia parte da diretoria do sindicato”, comenta.
O médico também comentou sobre a rapidez nos atendimentos como lógica ou métrica para comparar gestão compartilhada com a gestão municipalizada. “A lógica da terceirização são os resultados, como se fosse uma empresa, número de atendimento, número de procedimentos. Não funciona assim quando nós estamos lidando com seres humanos. Essa lógica empresarial de números acho que é errada. Fazer comparações entre a UPH da zona norte e a UPH da zona leste já começa errado porque o próprio perfil socioeconômico das duas regiões é diferente”, diz. “A eficiência está em ter condições de trabalho, ter os medicamentos. A eficiência tem outros fatores além desses que é ser atendido rapidamente”, acrescenta. “A preocupação que a gente quer demonstrar aqui é que quando se fala em qualidade do serviço não é como se fosse atendimento num banco, numa farmácia”.
Para a boa prática da profissão, Eduardo afirma que a aproximação do médico com o paciente é fundamental. “Quando existe a priorização das unidades básicas de saúde, aquele médico, aquela enfermeira, todo aquele pessoal que trabalha na unidade, se identifica com aquela comunidade.” Segundo ele, essa aproximação é fundamental do ponto de vista médico. “Quando defendemos a unidade pública é uma defesa não só da categoria médica, do servidor público municipal, mas uma defesa da boa medicina. Vejo que a lógica do paciente é essa, realmente, de ter a responsabilização e não só a questão dos números”.
‘A eficiência está em ter condições de trabalho, ter os medicamentos’ – FÁBIO ROGÉRIO
Vieira também falou sobre o número de profissionais que atendem na UPH Norte (pública), segundo ele, pouco mais que a metade quando comparado com a UPH Leste (gerenciada por terceiros) que passa de 280 pessoas. “Isso sem contar os médicos que não foram contratados de forma “celetista” — de CLT — de forma que nós criticamos também”.
Sobre a questão das condições de infraestrutura e a disponibilidade de insumos na saúde pública disse: “Existe uma impressão nossa de que é deliberado essa má vontade no serviço público, para que pareça o privado, as OSSs ou a terceirização (…). Gostaria de não acreditar nisso, de que seria deliberado, ou alguma coisa planejada, porque isso seria realmente uma situação quase que maquiavélica, uma tragédia humana.”
Viera também falou sobre o fechamento da UPH Leste. Segundo ele, algo que não é desejo do sindicato. Ele também afirmou que a Prefeitura de Sorocaba tem condições de fazer novas contratações de profissionais através de serviço público. “Estamos em torno de 39,40% (da folha) do orçamento. Então, existe a possibilidade de fazer concurso público. O que nós esperávamos é que o prefeito faça o concurso público.” O médico afirmou que ao longo dos últimos seis anos cerca de 200 profissionais deixaram de fazer parte do serviço público. “Houve a perda dessas pessoas e não houve a reposição. Essa reposição é o mínimo que se precisava.”
Eduardo Vieira também falou sobre os super salários na Prefeitura de Sorocaba. “Me sinto, às vezes, desconfortável com isso. Existem incorporações que foram leis de administrações passadas que acabaram sendo exageradas, principalmente quando as pessoas tinham cargo de chefia. Essas incorporações devem ser revistas para que haja uma justiça, para que não exorbite. A maioria (dos médicos) recebe um piso.” Conforme ele, a média salarial dos médicos é torno de R$ 5 mil por mês por 15 horas semanais, ou seja, 3 dias de trabalho de 5 horas por semana, num total de 60 horas por mês. Um trabalhador normal trabalha 40 a 44 horas por semana.
Sobre a gestão compartilhada fez algumas ponderações. “Sorocaba não tem condições de ter um hospital público municipal, logo existe a terceirização, que na verdade é de forma complementar. Não abomino qualquer tipo de terceirização. O que me preocupa é modelo das OSSs — instituições do setor privado, sem fins lucrativos, que atuam em parceria formal com poder público –, que muitas vezes, não tem uma regulação adequada. Estudos estão mostrando que as OSSs gastam 2,4 vezes mais do que serviço público normal. É uma preocupação porque elas estão se multiplicando”, argumenta. Ele também elogiou a contratação de médicos pela CLT no hospital público inaugurado pelo Estado recentemente na Rodovia Raposo Tavares. “Existem tantos casos de corrupção nas terceirizações que acabam manchando entidades que podem ser sérias”, diz. Ele pondera que está num processo de revisão com a possibilidade de aceitação da terceirização nos casos de alta complexidade.
Com relação ao trabalho feito de forma terceirizada pela Organização Social de Saúde no bairro São Guilherme, em que a própria Prefeitura de Sorocaba apontou algumas falhas, Vieira afirma que algumas coisas sobre o trabalho no local ainda precisam ser esclarecidas. “Sobre as instalações, por exemplo, qualquer consultório médico tem tantas exigências da Vigilância Sanitária. De repente, numa tenda de circo, praticamente com chão batido, você tem procedimento de uma complexidade razoavelmente grande. Não sei como a Vigilância aprova uma coisa dessas”, afirma.
Eduardo Viera também falou ao longo da entrevista que é a ideia do sindicato é manter o diálogo para convencer o poder público a desistir do processo. “Nossa estratégia continua sendo a do convencimento. Acho que as pessoas estão começando a entender o que nós estamos dizendo. Não estamos fazendo radicalismo, não estamos tentando mostrar que é uma coisa fora do normal. Nós estamos tentando fazer o convencimento como deve ser, usando a razão”, diz.
Recentemente, o Simesul entrou na Justiça para barrar a gestão compartilhada na cidade. Houve uma liminar a favor do Sindicato, mas a decisão provisória foi revista em favor da Prefeitura de Sorocaba. “Nossas ações, do ponto de vista jurídico, ainda não estão esgotadas. Nós faremos um agravo junto ao Tribunal de Justiça, que cassou a nossa liminar. Também aguardamos a decisão do mérito da nossa ação. Por outro lado, queremos deixar claro que estamos abertos às negociações no sentido de que, se o prefeito vier a trabalhar deixando de lado a proposta da terceirização, nós iremos apoiar e ajudar onde que se precisa de mais médicos.”
Por fim, o sindicalista também usou o espaço para falar sobre uma manifestação ocorrida em Sorocaba na semana passada. “Meu pai, uma vez, disse que quando você não sai no Cruzeiro do Sul, não aconteceu. E foi lamentável o Cruzeiro do Sul não ter coberto a manifestação, que no meu entender tinha mais de 5 mil pessoas. Foi uma das maiores manifestações públicas da história recente de Sorocaba. Isso que meu pai falava, de que se não saiu no Cruzeiro não aconteceu, (nesse caso) aconteceu e não saiu no Cruzeiro. Gostaria de deixar essa crítica ao jornal, com todo respeito.”
Resposta da Prefeitura – A Secretaria da Fazenda de Sorocaba informa que o gasto com o pessoal do município, de maio de 2017 até abril de 2018, considerando a receita corrente líquida, foi de R$ 1,46 bilhão, o que representa 44,53 %. “Este cálculo não considera receita de capital e aplicações financeiras. A receita corrente líquida foi de R$ 2,35 bilhões no período”, lembra o Executivo. Com relação ao quadro de médicos na rede, o Executivo afirmou que de janeiro 2013 até maio deste ano houve redução de 170 profissionais. “As saídas são por motivos de exoneração, aposentadoria, falecimento e processo administrativo disciplinar”, ressalta.
Fonte: Jornal Cruzeiro
Foto: Fábio Rogério