No mês em que a imprensa noticiou a morte da menina Emanuelly pelas mãos dos pais, em Itapetininga (SP), uma mãe, no primeiro trimestre de gestação, tentava explicar ao filho porquê não era possível ouvir o coração do irmãozinho no exame de ultrassom.
Acostumada a dar boas notícias para grávidas nos exames durante os 12 anos de carreira, a médica Camila Holtz, de 39 anos, se viu na delicada situação de ter que informar à família que tinha constatado a morte do feto.
Apesar de não ser o primeiro caso da carreira, a atitude da mãe foi marcante para a médica, que fez um relato comovente no Facebook.
Em entrevista ao G1, Camila lembra que a paciente era a primeira consulta do dia. Ela chegou acompanhada pela mãe e pelo filho, que era o mais animado com a chance de ouvir o coração do irmãozinho. Logo nos primeiros segundos de exame ela percebeu algo errado.
“Começo o exame e o que encontro não é exatamente dentro da expectativa de todos. Óbito. O bebê havia parado seu desenvolvimento… Olhei, olhei antes de abrir minha matraca. Tentei falar com todo zelo e amor que eu, pequenina, sou capaz de exprimir”, relatou no post.
O exame é um ultrassom obstétrico morfológico, onde são avaliadas formação e vitalidade fetal. No caso de morte, a precisão, segundo a médica, é de 100%.
O menino demorou um pouco para entender o que tinha acontecido, mas, assim que viu a mãe chorando, percebeu que não teria mais, por enquanto, um irmãozinho.
Além da reação do menino, o que mais marcou a médica foi a atitude da paciente, que não lembrou nem de longe o desespero e choque comuns com uma notícia de morte.
“Ela explicou ao menino que Deus sabia de tudo e que ainda teria outra oportunidade. Enxugou as lágrimas do menino e o abraçou. Ela meio que pensou no menino e passou por cima da dor dela naquele momento. Olhou para o filho, apesar de sua dor”, diz.
Aprendizado
Segundo Camila, apesar do grande fluxo de pessoas e de cerca de 90% das notícias às famílias serem boas, momentos como o vivido com a paciente são de aprendizado.
“Sempre que isso ocorre eu tento ser o mais leve possível em dar a notícia quando não tem sinal de vida. É um momento dolorido, mas aquele foi diferente. Mesmo sabendo da notícia do bebê morto, a mãe se preocupou em dar amparo à criança. Aquilo ficará no meu coração”, contou.
Dezenas de internautas se comoveram com o relato e mandaram mensagens para a médica. “Esse é um exemplo de amor, fé e esperança”, escreveu um amigo.
O relato também chegou à paciente que, por meio da irmã, agradeceu o apoio naquela hora tão delicada para a família. “Eu aprendi com aquela mulher falando com o filho e lidando com a perda daquela forma. Excluindo o pesar, foi emocionante”, finaliza.
Cerca de 73 quilômetros separam Sorocaba, cidade onde a médica vive, de Itapetininga, onde morava a menina Emanuelly Agatha da Silva, de 5 anos. Ela foi agredida várias vezes pelos pais durante quase um mês, até morrer no dia 2, segundo o laudo necroscópico do Instituto Médico Legal (IML). A informação foi divulgada pelo delegado que investiga o caso, Eduardo de Souza Fernandes.
O caso comoveu a região e também foi acompanhado pela médica que, acostumada de testemunhar o amor materno, se deparou com uma tragédia causada por uma mãe e pelo um pai.
Fonte: G1