A rede básica de saúde da Prefeitura de Sorocaba não possui, em seu quadro de servidores, o número de médicos pediatras necessário para garantir o adequado acompanhamento do crescimento das crianças. A situação, que não é exclusiva da cidade, tem tornado cada vez mais comum o atendimento de pacientes de 0 a 19 anos — faixa etária exclusiva da pediatria — por clínicos gerais. Na última quinta-feira, a Prefeitura anunciou que isso acontecerá, a partir de hoje, na Unidade Pré-Hospitalar (UPH) da zona norte, já que os pediatras voltarão a se concentrar na unidade oeste, na avenida General Carneiro. Porém, o problema há tempos já chegou aos bairros, onde é fácil encontrar crianças que não têm vínculo com as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) em relação ao seu desenvolvimento, por não realizar as consultas de rotina, preconizadas pelos órgãos competentes, para que cresçam com saúde. “Pediatra no postinho? Só para as crianças até os 2 anos. Depois disso, só com clínico, e mesmo assim é muito difícil conseguir consulta.” Esse é o relato recorrente.
No total, são 56 os pediatras que aparecem na lista de médicos concursados da rede básica em Sorocaba. De acordo com a Secretaria de Saúde, no último concurso, em 2014, apenas cinco se inscreveram, três se classificaram e um aceitou a vaga. Segundo a presidente do Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Mariane Franco, os clínicos gerais não são proibidos de atender crianças, mas por não estarem preparados, podem se negar a fazê-lo. Já o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) confirma que, nestes casos, não estão cometendo irregularidade em sua atuação profissional. Porém, ambos indicam que a recomendação é de que o atendimento infantil seja feito pelos médicos especializados. “Não somos a favor das crianças serem atendidas por clínicos, mas temos percebido uma mudança no padrão na medicina nos últimos anos.” Na prática, hoje são poucos os universitários que optam por se tornar especialistas em crianças. “Essa situação [dos clínicos atenderem crianças] está acontecendo por falta de opção. Porém, eles não têm nenhum momento, na sua formação, em que atendam crianças. Uma criança não é um adulto pela metade”, diz Mariane.
Já o presidente do Sindicato dos Médicos de Sorocaba, Eduardo Luís Vieira, afirma que “não é adequado que clínicos façam o atendimento em pediatria, sob o risco de errarem por imperícia”. Ele defende concurso público: “A Prefeitura necessita, urgentemente, realizar concurso público para suprir as vagas em pediatria.” E criticou: “Não consigo entender por que há tanta resistência em tomar essa atitude.”
Sem acompanhamento
No bairro Brigadeiro Tobias, todas as mães já conhecem a regra: pediatra, só até os 2 anos. Depois disso, só clínico geral. Na unidade há apenas uma pediatra, com agenda às terças, quartas e quintas, de manhã. Nos outros períodos e dias, a unidade não tem pediatras. Se a criança adoece, na UBS resta apenas chegar e esperar por um encaixe. Mas essa possibilidade, na prática, é quase nula. A solução acaba sendo levar aos pronto-atendimentos — mesmo que seja uma simples febre ou resfriado. “Depois de muito tempo, meu filho curou sozinho o furúnculo, com as pomadas que eu mesma defini e passei. Não consegui nenhuma consulta com pediatra para ele”, conta Juliete Tainço, de 28 anos, mãe de um menino de 4. Ela lamenta não conseguir para ele consultas de rotina. “Não sei se está crescendo como deveria, nunca fez um exame de sangue.”
Segundo a própria Prefeitura, o Ministério da Saúde preconiza, como ideais, que 63% dos atendimentos sejam feitos nas UBSs, 15% nas UPHs e 14% de especialidades. Sorocaba possui uma realidade oposta: 33% dos atendimentos são nas UBSs, 53% nas UPHs e 14% na Policlínica. Para os pais, isso acontece exatamente porque não existem médicos nos postinhos. “Eu moro vizinha do posto e meu filho não tem pediatra para se consultar aqui”, reclama, no Parque Vitória Régia, Suzana Barreto, de 35 anos. Ela tem um menino de 3 anos e há bastante tempo não consegue que ele seja examinado por um especialista. “Maior de 2 anos só com o clínico mesmo. Teve uma vez que perguntei uma coisa e ele disse para que eu fizesse a pergunta para o pediatra lá do PA”, relata.
Rotina
Além de Brigadeiro Tobias, outras sete UBSs — das 33 existentes no município — contam com apenas um médico pediatra em seu quadro: Angélica, Carandá, Cajuru, Escola, Vila Sabiá, Santana, São Guilherme. As últimas cinco não têm nenhum pediatra trabalhando em pelo menos dois dias da semana — assim como em Brigadeiro. O maior problema gerado por essa situação, confirma Mariane Franco, da SBP, é que nas UBS os clínicos não fazem o acompanhamento adequado, de rotina, do desenvolvimento destas crianças. Segundo a SBP, as crianças devem se consultar com pediatras em encontros mensais até os seis meses de vida, que passam a ser trimestrais até os 2 anos. Depois disso, o calendário segue com consultas semestrais, até os 10 anos, e anuais até os 19. Segundo a SBP, a solução para o problema, a médio prazo, é o estímulo aos futuros médicos, ainda na universidade, para a escolha da carreira. “Hoje sobram vagas para a residência em pediatria”, conta Mariane.
UPH norte fica sem pediatria
A decisão da Prefeitura de tirar o atendimento de pediatria da Unidade Pré-Hospitalar da zona norte, a partir de hoje, desagradou a muitos pais e mães que costumam recorrer à unidade. “Já está cheio assim e ainda vão tirar”, reclamou a recepcionista Cíntia Oliveira, de 28 anos, com o filho de 2 anos no colo.
O movimento no plantão infantil da unidade era intenso na tarde de ontem. E, assim que faziam a ficha na chegada, os pais logo eram avisados da mudança. “Para mim vai ficar muito longe”, reclamou Taís Amaral, de 19 anos, moradora do Conjunto Habitacional Ana Paula Eleutério. “O pediatra é o médico das crianças. O clínico nem sempre sabe o que está acontecendo.”
Segundo a Prefeitura, os casos pediátricos de urgência e emergência continuam podendo ser atendidos na zona norte. “O que muda é que agora a UPH da zona norte fará o atendimento pediátrico com clínicos gerais”, informa o poder público. A proposta é de que, em casos com maior urgência e necessidade, a criança será transferida à UPH oeste, na avenida General Carneiro — que volta a ser a referência em pediatria — com um veículo da Prefeitura.
Para a Prefeitura, será a gestão compartilhada — mais conhecida como terceirização — a solução para a falta de médicos. “Nesse novo modelo de gestão, o principal objetivo é fortalecer a Rede de Atenção Básica de Saúde”, diz o poder público. A alegação, para a não contratação de médicos por concurso, é de que até o final deste ano os gastos com pessoal na Prefeitura tendem a ultrapassar o limite de alerta, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, de 48%.
Fonte: Jornal Cruzeiro
Foto: Erick Pinheiro