No Brasil de hoje, a medicina é a profissão em que a mulher mais conquistou equilíbrio de oportunidades, com destaque aos aspectos relacionados à liderança, remuneração, ascensão na carreira e competitividade. A equalização do acesso aos cursos de graduação e de atualização de conhecimento ajuda a explicar o fenômeno, com destaque para o fato de que, desde 2010, as mulheres passaram a ser maioria nas faculdades e residências médicas – destas, em especial, aquelas com ligação mais estreita à atenção básica, como pediatria, medicina de família, clínica médica e ginecologia e obstetrícia.
Em valores globais, como indica o estudo Demografia Médica, do CFM, a proporção entre homens e mulheres na medicina ainda é de 60% a 40% respectivamente. No Paraná, os médicos em atividade são 15.483 e as profissionais do sexo feminino são 10.434, realçando a mesma similitude. Mas, na faixa etária até 29 anos, as mulheres estão em maior número, o que explica as projeções de que em dez anos as doutoras já alcancem o porcentual de 50,23%, consolidando a chamada “feminização na medicina”.
É preciso fugir da análise fria das estatísticas para melhor entender como a mulher ocupou o seu espaço na medicina e em outras profissões de saúde. Existe toda uma história de perseverança, de humildade e de competência que soma pouco mais de um século. A saga da mulher na medicina no Paraná tem origem com Maria Falce de Macedo, que em 1914 ingressou na UFPR e formou-se em 1919, tornando-se a primeira médica do estado. A resistência ao sexo feminino na profissão era tamanha, na época, que Maria Falce nem sequer conseguiu montar seu consultório. Optou pela docência, sendo também a pioneira no curso médico então único no Paraná, e também se dedicou à área diagnóstica e laboratorial, sendo precursora da empresa que mais tarde se transformaria em um grande laboratório de análises clínicas da atualidade.
A tímida presença feminina na atividade médica foi acentuada até o início da segunda metade do século passado. Em abril de 1967, quase uma década depois de o Conselho de Medicina do Paraná ter iniciado o registro obrigatório dos médicos, somente 108 mulheres figuravam entre os mais de 2 mil profissionais em atividade, ou 5,4% do total. A primeira a se inscrever foi Vivian Albizi de Carvalho, que adquiriu o número 58. Depois dela vieram Gilda Kasting (registro número 73), Maria Becker (128), Salomé Rochin (135), Fani Frischmann Aisengart (136) e Gilka Gilda Ghignone (180). A pioneira Maria Falce só se inscreveu em agosto de 1958, recebendo o número 226. E foi assim, com um registro feminino a cada dezenas de masculinos, que estas distintas senhoras, enfim médicas, deram início a um novo e belo – literalmente – cenário da medicina no Paraná.
A história é rica em exemplos de mulheres que enobreceram a medicina. No entanto, deve-se sobrelevar a grande maioria anônima e silenciosa, presente no dia a dia, que oferece o melhor de sua capacidade na atenção à saúde da população, inclusive em regiões mais carentes. Exibem coragem ao enfrentar toda gama de dificuldades, como a ameaça à integridade física e moral. Apresentam habilidades técnicas inquestionáveis. Expressam sensibilidade com acolhimento instintivo dos que dela precisam.
O retrato feminino no mercado de trabalho médico não revela apenas competência profissional, foco e resolubilidade, claramente catalisadas pelo pouco tempo disponível devido à sua jornada acumulada com a rotina da casa e cuidado dos filhos. Trata também de percepção aguçada do meio, de presença de olhar doce e empático, de falar sobre esperança ao seu paciente com a mesma naturalidade com que o examinou. Além de todas estas virtudes, a capacidade de resolver conflitos simultâneos é um atributo admirado pelos homens e merece ser lembrado. Esta base propicia o impulso à ascensão da mulher médica às funções de liderança, decretando um cenário de equidade de gênero, fazendo valer os princípios da medicina como profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade, a ser exercida sem discriminação de nenhuma natureza.
O próprio Conselho de Medicina, que iniciou suas atividades oficialmente em 12 de março de 1958, somente na gestão de 1988 a 1993 – 30 anos depois – teve, enfim, a primeira mulher em seu corpo de 42 conselheiros, na figura de Helen Anne Butler Muralha. Hoje com 64 anos de formada e histórico ético ímpar em sua atividade como gineco-obstetra, continua ativa em seu consultório e na Fundação Sidónio Muralha. Também ocupou espaço na Academia Paranaense de Medicina, onde foi acolhida juntamente com Leide Parolin Marinoni, Monica Beatriz Parolin, Saly Moreira e Lorete Maria da Silva Kotze, a segunda mulher a ocupar o cargo de conselheira do CRM-PR.
Sem dúvida, como nos mostram estudos recentes, apesar de cumprir jornadas menores e ter menos vínculos empregatícios devido a suas atividades familiares, a mulher médica demonstra harmonizar com sabedoria as relações de seu convívio, como o vínculo com seus pacientes e também com as equipes multidisciplinares. Esta facilidade genuína de comunicação, que torna o trato mais aconchegante, pode explicar o porquê da prevalência atual da presença da mulher nas áreas clínicas como dermatologia, genética médica, endocrinologia e metabologia, alergia e imunologia e infectologia, em contraste com a ainda pequena presença em áreas cirúrgicas da medicina: na vascular, por exemplo, há 90% de homens, chegando a 91,8% na neurocirurgia, 95% na ortopedia e 98,8% na urologia.
Assim como a medicina atual reflete a brava e notável conquista da mulher na sociedade, o CRM-PR de hoje reflete a mulher na medicina. O Conselho é composto atualmente pelo maior número de conselheiras que já existiu em sua história, conduzindo a ética de forma eficaz, com suavidade e carisma.
Nossas precursoras fizeram um magnífico trabalho desbravando o antigo horizonte. Cabe à geração atual continuar a exibir dia a dia sua competência, firmeza, compromisso e encanto, anunciando o talento da mulher médica para que o horizonte seja cada vez mais estável e expressivo.
Fonte: Gazeta do Povo
Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo