O Conselho Federal de Medicina é uma autarquia federal de direito público, criada pela Lei nº 3268/57, sendo parte do Estado Brasileiro e não um órgão corporativo da classe médica. É dever da instituição apresentar aos governos propostas às políticas públicas, não por corporativismo de classe, mas pelo dever legal do qual é investida.
A irresponsabilidade dos governos, nos últimos 20 anos, comprometeu de forma desastrosa a formação do médico brasileiro, ao se implantar política de abertura indiscriminada de escolas médicas no País. Faculdades de Medicina foram e continuam sendo abertas em cidades sem a menor infraestrutura que permita ensino de qualidade. Falta nestes locais atenção básica estruturada, hospitais e médicos mestre e doutores para a formação com qualidade. Hoje temos 298 escolas no Brasil, o que compromete de maneira irreparável a qualidade de formação do médico brasileiro.
Outro ponto que precisa ser esclarecido pelo Ministério da Educação é o aumento do número de vagas em escolas médicas já existentes que ocorreram nos últimos 20 anos. Apenas no fim do ano passado o governo do Presidente Michel Temer autorizou aumento de vagas para 20 cursos de medicina em funcionamento, possibilitando mais 1.601 ingressantes, que se somam a outras 623 vagas liberadas para este ano.
Esta atitude irresponsável do governo brasileiro, com a abertura indiscriminada de escolas médicas e a expansão de vagas em faculdade de medicina existentes, toma forma de verdadeira tragédia para a assistência médica à população ao confrontarmos o número de médicos graduados, quando todas essas instituições estiverem formando, com as vagas de residência médica disponíveis. As projeções mostram que em aproximadamente 40 anos o Brasil terá algo em torno de 1,5 milhão de médicos, número superior ao que existe hoje de técnicos de enfermagem. Há atualmente 443.884 médicos no País.
Na contramão do absurdo número de médicos graduandos, há o de vagas em residência médica praticamente estagnado, exceto para especialidades sem apelo para os médicos. Esta desproporção entre o volume crescente de formandos e o número limitado de vagas em residência médica fará com que cada vez mais profissionais entrem no mercado de trabalho sem especialização médica, comprometendo a assistência.
O Ministério da Educação divulgou recentemente uma moratória de cinco anos para abertura de novas escolas médicas no Brasil. A notícia veio acompanhada da informação de que antes serão cumpridos os editais do Ministério da Educação nº 6/2014 e nº 1/2017, que autorizam, aproximadamente, mais 1.500 vagas. A nota do MEC não faz referência se a moratória também é para a expansão de vagas em escolas já existentes.
O CFM defende a moratória para a abertura de novas escolas médicas no País por cinco anos pela necessidade de ser colocado um ponto final nesta política nefasta. No entanto, para que o CFM apoie a proposta do MEC é fundamental que a moratória seja implantada de forma imediata, sem o cumprimento dos editais nº 6/2014 e nº 1/2017 e com o seu compromisso de que não será autorizada a expansão de vagas em escolas em funcionamento.
Formação de médicos é questão fundamental e essencial para a excelência na assistência a saúde. É chegada a hora do MEC agir com responsabilidade em tema essencial para a sociedade. Anunciar moratória fora das condições aqui colocadas é atitude falaciosa em questão tão relevante para a população. Se esta proposta persistir mesmo diante de um cenário tão claro, com consequências catastróficas previstas, resta-nos a indagação: a quem interessa a abertura de tantas escolas médicas no Brasil?
* É presidente em exercício do Conselho Federal de Medicina (CFM)
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, edição de 25 de novembro de 2017.
Fonte: CFM