O aposentado Antonio Carvalho, de 54 anos, tem de tomar continuadamente um remédio para reduzir a ansiedade chamado Diazepam. A receita para o medicamento, prescrita por um médico do SUS (Sistema Único de Saúde), tem validade para apenas 30 dias. O problema é que o ansiolítico está em falta na rede de distribuição gratuita do governo de São Paulo, a Farmácia Dose Certa.
“Já procurei por toda a parte e não tem”, queixou-se Carvalho, na última terça-feira, na unidade Farmácia Dose Certa da Estação Saúde do Metrô, na Zona Sul da capital. “Vou precisar pagar quando deveria receber gratuitamente e certamente o dinheiro vai me fazer falta.”
O drama vivido por Carvalho não é sua exclusividade. O DIÁRIO visitou na semana passada três unidades do Farmácia Dose Certa (Saúde, Clínicas e Barra Funda) e constatou a falta de antibióticos, antidepressivos, anticonvulsivos, remédio para esquizofrenia, analgésicos e vitaminas.
Na unidade Farmácia Dose Certa da Estação Barra Funda do Metrô, Zona Oeste, de uma lista com 54 itens, cinco estavam em falta. Já nas Clínicas, eram quatro. E, na base instalada na Saúde, 10 medicamentos não estavam disponíveis.
Segundo Antonio Silvan Oliveira, presidente do Sindiquímicos (Sindicato dos Químicos de Guarulhos), a falta de medicamentos se deve a um “desaquecimento estratégico” do governo de São Paulo com relação à Furp (Fundação para o Remédio Popular), a estatal que produz os remédios.
“A principal fábrica da Furp, que fica em Guarulhos (região metropolitana), já trabalhou em três turnos ininterruptos e agora só opera em um”, afirmou. “Essa redução nos turnos gerou uma ociosidade entre a mão de obra e a empresa teve que fazer um PDV (Plano de Demissão Voluntária) que atingiu cerca de 400 funcionários.”
O “desaquecimento” a que se referiu o sindicalista estava previsto também no Orçamento do governo para este ano, que apresentou uma queda de 72% (em relação a 2016) no número de unidades produzidas pela Furp.
RESPOSTA DA SAÚDE
Sob demanda
A Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo disse que a Furp é uma fábrica de medicamentos que produz mediante demanda.
“Além do governo do estado, tem clientes por todo o país, como secretarias municipais de Saúde, santas casas e hospitais filantrópicos”, disse.”Em 2017, até o final do ano, a expectativa é produzir 1 bilhão de unidades farmacoterápicas, produção equivalente à do ano passado.” Essa informação, no entanto, contradiz o orçamento do estado, que previa 2 bilhões para o ano passado e 556 milhões para este.
A pasta disse ainda que o Programa Dose Certa não sofreu qualquer alteração e fornece 61 medicamentos inclusos no elenco (na verdade são 54). “Os 583 municípios aderentes ao programa recebem medicamentos produzidos pela Furp e adquiridos pela secretaria, beneficiando 15 milhões de pessoas”, explicou. “As demais cidades são contempladas com recursos financeiros, com contrapartida do estado e da União.”
Sobre a falta de alguns itens nas farmácias visitadas pelo DIÁRIO, a secretaria disse que a indisponibilidade “temporária” do Diazepam e da Benzilpenicilina decorre de problemas no fornecimento de matéria-prima, que consequentemente impacta na produção. “Já o Tiamina é adquirido pela secretaria e seu último pregão foi ‘fracassado’, o que inviabilizou a aquisição”, afirmou. “Para os demais medicamentos citados podem ter ocorrido faltas pontuais, rotineiramente supridas pelo abastecimento mensal ou por transferência de outras farmácias Dose Certa.”
Distribuição gratuita é pilar da saúde pública
Rodolpho Telarolli Jr., professor_
Sou professor de saúde pública da Unesp e sei que a distribuição de medicamentos essenciais é um pilar importante da política de saúde pública. São Paulo foi pioneiro nisso. Mas não necessariamente esses medicamentos precisam ser produzidos pelo estado. São produtos básicos que podem sair mais baratos se produzidos em grande escala por laboratórios particulares. Agora, o que não pode é faltar na rede pública de distribuição. Alguns não custam mais do que R$ 10, mas essa quantia pode representar dois dias de alimentação para uma família pobre.
Governo fecha unidades do programa
O governo de São Paulo vem diminuindo as unidades do programa Farmácia Dose Certa, de distribuição de remédios essenciais gratuitamente.
No primeiro semestre do ano passado, foram fechadas as unidades da Estação Ana Rosa do Metrô (Zona Sul) e a que ficava próxima ao Hospital Geral Santa Marcelina, no Itaim Paulista (Zona Leste).
O programa, que entrou em funcionamento em 2004, já teve 14 postos. Hoje são nove. Segundo Antonio Silvan Oliveira, presidente do Sindiquímicos (Sindicato dos Químicos de Guarulhos), o fechamento das unidades é parte da política de desaquecimento estratégico da Furp, a estatal que fabrica os medicamentos.
PPP entregou fábrica da Furp para líder do setor
Em 2009, o então governador de São Paulo, José Serra (PSDB), inaugurou com estardalhaço aquela que chamou de a primeira indústria pública de medicamentos genéricos do Brasil.
A fábrica foi instalada na cidade de Américo Brasiliense, na região de Araraquara, no interior paulista. Vinha ao encontro da Lei dos Genéricos, idealizada pelo próprio tucano quando ele era ministro da Saúde, em 1999.
Na inauguração, Serra disse que, quando estivesse em plena operação, em 2010, a nova fábrica da Furp iria produzir 21,6 milhões de ampolas e 1,2 bilhão de comprimidos. Para isso, o governo investiu R$ 190 milhões.
“A fábrica terá a tecnologia mais avançada no mundo em fabricação de genéricos, com equipamentos importados da Alemanha”, disse Serra, na inauguração. “A Furp vai ajudar São Paulo e o Brasil na distribuição de remédios.”
Em 2013, o substituto de Serra no Palácio dos Bandeirantes, Geraldo Alckmin, do mesmo partido, resolveu fazer uma PPP (Parceria Público Privada) e entregar a operação da fábrica de Américo Brasiliense para uma empresa particular, a EMS.
A contratação da PPP ocorreu na modalidade concessão administrativa, pelo prazo de 15 anos, com investimentos privados da ordem de R$ 130 milhões nos cinco primeiros anos. A justificativa foi a de que, com o novo parceiro, a fábrica seria mais competitiva, atingindo sua plena operação e com registro de novos medicamentos.
Com a mudança, ao invés de produzir os remédios, o governo de São Paulo passou a comprar medicamentos fabricados em suas próprias instalações. A EMS se comprometeu a entregar 96 tipos de medicamentos até 2020.
A Furp foi fundada pelo governo de São Paulo em 1974 e teve sua primeira fábrica inaugurada em 1984, em Guarulhos, na região metropolitana.
Fonte e foto: Diário de S.Paulo