Um médico com aparência cansada posa ao lado de um paciente que repousa na mesa de cirurgia. A descrição não deixa de ser verdadeira, mas nem de longe dá conta da complexidade que a imagem representa. Tirada em 1987, na Polônia, a fotografia retrata uma sala de cirurgia 23 horas depois do início de um transplante de coração.
O tempo transcorrido explica não só a expressão do médico, mas também a condição de sua assistente. Ela descansa no canto da sala como quem adormece em uma cama quente e macia. Não por acaso, a foto foi eleita pela National Geographic como a melhor daquele ano.
Através de suas lentes, o fotógrafo Jim Stanfield captou a mensagem exata que queria passar: o estado crítico do sistema público de saúde polonês naquela época. Embora fosse indispensável para a população, a falta de investimentos já havia o transformado em algo preocupante, com equipamentos ultrapassados.
Mas Stanfield, ao acompanhar cada minuto da cirurgia, registrou mais do que as dificuldades visíveis da saúde pública no país. O fotógrafo também conseguiu contar um pouco da história do médico Zbigniew Religa, um dos cardiologistas mais renomados da Polônia.
Mesmo dispondo apenas de aparelhos com tecnologia obsoleta, que tornaram uma cirurgia complexa ainda mais arriscada e longa, ele conseguiu garantir ao seu paciente, Tadeus Zitkevits, uma nova vida. A ironia? Religa ficou famoso por ser pioneiro em tecnologia para a saúde. No ano de 1995, foi ele o primeiro cirurgião a transplantar uma válvula artificial.
A realidade atualmente
Mas e hoje, qual é a realidade de médicos que, assim como Zbigniew Religa fez no passado, realizam transplantes de coração? Conforme explica o cardiologista Renato Kalil, membro da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul (Socergs), “o ato cirúrgico, em si, pode durar de três a quatro horas, se não houver intercorrências intra-operatórias”.
Já o processo todo costuma levar entre 12 e 24 horas, de acordo com a distância de transporte envolvida. Ele inclui a notificação da existência de um doador, a mobilização das equipes de retirada de órgãos, o atendimento do processo regulatório, a avaliação de quem doa e a busca efetiva do coração, lista Kalil.
Para o cardiologista, a principal semelhança da imagem com a atualidade é mostrada pelo olhar compenetrado de Religa. Ainda que os equipamentos não apareçam na foto, é para eles que a atenção do médico se dirige. Afinal, mesmo naquela época, o monitoramento de parâmetros vitais, respiratórios e hemodinâmicos era fundamental.
No entanto, as semelhanças não vão muito mais longe do que isso. “Nos últimos 30 anos, tivemos muitos avanços no que se refere à qualidade e complexidade dos equipamentos e também na organização das equipes e logística do processo, de maneira a realizar o atendimento por equipes multiprofissionais, em escalas de trabalho bem distribuídas. Dessa forma, evita-se o desgaste pessoal, que a imagem demonstrou, e se qualifica o atendimento”, relata Kalil.
E é essa a luta diária do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (SIMERS): garantir saúde de qualidade para a população e valorizar o trabal06ho do médico. Por isso, a fotografia tirada por Jim Stanfield também serve como um lembrete. Ela mostra o que acontece quando os investimentos na área são insuficientes e a precarização é uma realidade.
Fonte: SIMERS