A Bioética tem como princípio o respeito à autonomia para a vida com qualidade. A dificuldade ocorre quando o consentimento ou recusa informados não podem ser dados por incapacidade. O testamento vital (living will) é um documento no qual a pessoa determina, previamente, tratamentos que deseja ou não receber, ou a suspensão de intervenções de manutenção da vida, quando impossível a recuperação, podendo nomear um procurador de saúde para representá-la.
No Brasil, estima-se que em 2020 haverá quase 30 milhões de idosos, sendo quatro milhões acima de 80 anos, com prováveis enfermidades complexas e de alto custo.
O desenvolvimento tornou crônicas doenças fatais, ampliando o número de pessoas com incapacidades cognitivas com ausência de autonomia e a prática de obstinação terapêutica por desconhecimento dos profissionais e dos familiares quanto aos limites para que protocolos médicos sejam substituídos por abordagem humanizada.
Ortotanásia não é eutanásia passiva, um equívoco gerado pela terminação “násia”. Para evitá-lo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) não usou este termo na Resolução 1.805/2006, empregando cuidados paliativos, procedimentos para reduzir a dor e qualquer desconforto, próprios para as doenças em fase avançada e sem qualquer relação com a antecipação da morte a pedido do paciente, considerada crime no Brasil. Os cuidados paliativos respeitam o curso normal da morte e afastam a violência do cumprimento de protocolos que se demonstram fúteis.
A Resolução 1.995/2012 do CFM dispõe sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade, determinando que o médico considere a vontade do paciente ou a manifestação do seu representante.
Não há lei específica sobre esse tema no Brasil. Mas há regras de respeito absoluto à autonomia. A Constituição afirma que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei, e a vida está no mesmo patamar dos demais direitos fundamentais, devendo ser privilegiada a sua qualidade.
O envelhecimento, que aumenta a possibilidade de demência, amplia o número de pessoas com a autonomia prejudicada. Leis, como o Estatuto do Idoso e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, garantem a escolha de tratamento médico considerado mais favorável do ponto de vista do paciente, e não dos avanços científicos, caracterizando como violência os atos praticados que causem dano ou sofrimento psicológico/físico desnecessário ao paciente.
A elaboração de Diretivas Antecipadas de Vontade, quando a pessoa está cognitivamente capaz, permite que seja preservada sua autonomia, mantendo o direito de escolha mesmo quando não tiver voz para tal, em perfeita harmonia do Direito com a Medicina, no resguardo da dignidade das pessoas até o fim da vida.
Claudia Burlá é geriatra, e Maria Aglaé Tedesco é juíza
Fonte: O Globo
Foto: Canal Ciências Criminais