O número de médicos que atendem nas redes pública e privada de Joinville aumentou 73,4% nos últimos dez anos, atingindo a marca de 1.415 profissionais em junho deste ano. Os dados são do Ministério da Saúde por meio da plataforma Datasus.
Mesmo com o crescimento, o contingente ainda não é o ideal para atender a todos os habitantes da cidade mais populosa de Santa Catarina e outros pacientes que se deslocam de outros municípios da região.
Algumas especialidades tiveram reforço de médicos nos últimos anos, como a clínica geral e a pediatria, mas outras ainda continuam sendo problemáticas, como a ortopedia, gerando longas filas de espera para consultas. Independentemente do crescimento, o presidente da Sociedade Joinvilense de Medicina (SJM), Dr. Antônio César Franco Garcia, afirma que todas as áreas ainda precisariam de profissionais para atender à demanda.
– Há uma defasagem bem significativa no número de médicos por habitantes em Joinville e região. Ela é tanto pela pouca formação de médicos, quanto pela baixa oferta de serviço – explica.
Segundo o médico, há uma demanda reprimida na área de saúde, sobretudo, no setor público, o que causa filas de espera por cirurgias de até anos. Garcia entende este como um mercado de grande potencial que poderia empregar muito mais profissionais do que atualmente, mas os maiores problemas seriam a falta de investimento e de estrutura para comportar todos esses médicos.
O presidente da SJM afirma que nos últimos 25 anos, desde quando chegou à cidade, houve um crescimento significativo no número de médicos. Isso por causa da ampliação do Hospital Dona Helena, da construção dos hospitais da Unimed e Infantil, além de várias novas clínicas particulares e o crescimento do setor de convênios. A dificuldade seria a falta de investimento na rede pública, que não acompanhou o aumento da população.
– Houve um crescimento, mas muito menor do que deveria ser, porque, hoje, 60% a 70% da população dependem exclusivamente do SUS. Você tem uma demanda reprimida muito grande. São dois tipos: a efetiva – são as filas – e a reprimida – aquilo que nem está na fila, ou seja, se começar a atender, terá mais ainda – conta.
Os números confirmam a observação de Garcia. Segundo os dados do Datasus, a quantidade de médicos que atendem exclusivamente na rede privada cresceu 157,8% nos últimos dez anos, enquanto os profissionais que trabalham no SUS (e também podem atender na rede particular) aumentou 44,3% no mesmo período.E o futuro não se mostra nada promissor em relação a investimento na rede pública na visão de Garcia. Ele cita que a proposta de emenda à Constituição (PEC) de limitação de gastos do governo federal pode agravar ainda mais a falta de recursos nos próximos anos. O presidente da SJM afirma que a situação pode até mudar, mas pela forma como se desenha é possível que o quadro de saúde piore ainda mais futuramente.
Saúde da Família cresceu
Entre as especialidades que tiveram maior incremento no número de médicos nos últimos dez anos está a que atende à Estratégia Saúde da Família (ESF). O programa contava com 24 profissionais na cidade em agosto de 2007, mas atualmente são 73, um crescimento de 204%.
Apenas a área da neurologia teve maior crescimento percentual no mesmo período, pulando de quatro para 41 profissionais, 925% de aumento.A Estratégia Saúde da Família é um programa federal criado para reorganizar a atenção básica em todo o País e que deve ser implementado pelas secretarias de saúde municipais.
Atualmente, Joinville tem 45% de cobertura do ESF em toda a cidade. A ampliação pela Prefeitura no ano passado ficou abaixo da meta estipulada, que era de 60%. O ideal sugerido pelo Ministério da Saúde é de 100%.Segundo Garcia, em Florianópolis existe a cobertura total do município. Porém, ele explica que na capital catarinense não há nenhum hospital público sob a gestão municipal, diferentemente de Joinville, em que grande parcela do orçamento vai para o Hospital São José.
O médico também admite que essa é uma deficiência crônica do sistema público porque há um investimento muito baixo ou mal aplicado na área.
— Ao invés de privilegiar a atenção à saúde primária, que seria o principal, grande parte dos recursos é drenada para a saúde terciária, que são os hospitais e os especialistas. A atenção primária resolve 80% dos problemas da população com um custo obviamente muito menor do que o setor terciário — defende.
Em Joinville, os bairros da zona Sul estão mapeados para receber o ESF. A Secretaria de Saúde trabalha para realizar a expansão, que esbarra na alta rotatividade dos médicos e na dificuldade de encontrar profissionais interessados na jornada de 40 horas semanais.
“Não adianta contratar sem ter estrutura“, avalia o presidente da Sociedade Joinvilense de Medicina, Antônio Cesar Franco Garcia. Confira entrevista:
Como o senhor avalia o quadro de saúde hoje em Joinville?
Basicamente, está ficando cada vez mais parecido com o de cidades de grande porte. A gente tem, a rigor, quatro sistemas de saúde vigentes: o Sistema Único de Saúde; as policlínicas ou clínicas populares, que começam a aparecer e ocupam aquele espaço que o SUS não consegue atender; depois, temos os convênios, que é a saúde suplementar; e temos a saúde privada, em que o paciente paga pelo seu tratamento.
A aproximação com esses grandes centros acontece no curto prazo?Relativamente, no curto prazo. Claro que todo processo é lento e gradual, mas eu diria que nos últimos três anos tem se intensificado bem. Vai vir mais um convênio de saúde para Joinville. A gente vê crescer, inaugurar policlínicas e clínicas populares. Então, está acontecendo esse quadro de segmentação da saúde. Antes, a gente tinha basicamente o SUS, os convênios e os seguros de saúde em Joinville. Praticamente, não existiam policlínicas, clínicas populares, e a saúde totalmente privada era bem pequena.
Tem-se reduzido o número de clientes na área privada, tendo em vista a crise?Tem-se reduzido. A gente não sabe exatamente o percentual, porque isso é um dado que as operadoras não divulgam porque é uma coisa de mercado. Mas obviamente houve uma redução, tem gente que fala em torno de 10%. A gente sente isso no atendimento nas clínicas e nos consultórios. E também vemos um maior crescimento de atendimento no SUS. Obviamente, esse pacientes migraram para a saúde pública.
E onde trabalham os médicos de Joinville entre essas quatro modalidades?
Uma parcela grande opera exclusivamente no SUS. Claro que, dentro do SUS, tem vários tipos de atividades como o Saúde da Família, os postos de saúde, os hospitais, os plantões em PA. Existe uma segmentação de diferentes níveis de atividade, como parcerias público-privadas e convênios intermunicipais. Por exemplo, um médico do Saúde da Família tem dedicação integral. Enquanto tem médicos que atendem exclusivamente convênios ou policlínicas. Além de médicos que atendem em tudo isso e se dividem. Não existe um modelo único.
Há alguma especialidade que precisaria de mais médicos em Joinville?
Existe uma deficiência em quase todas as áreas. Existem pontos críticos na Secretaria de Saúde com falta de reumatologista, ortopedistas, ginecologistas e urologistas, que geram alguma dificuldade, mas de uma maneira geral todos faltam. O grande problema não é só a falta de profissionais, mas a falta de estrutura de serviço para que esse profissional atenda. Não adianta você contratar e não oferecer nenhuma sala para o cara atender. Por exemplo, você tem dois hospitais lotados e um Saúde da Família funcionando só 45%, o que deveria ser 100%.
Quais são as especialidades em que há mais fila de espera para consultas ou exames?
A última vez em que conversei com a secretária da saúde, os dois principais problemas eram ginecologia e urologia. Aí por causa de estrutura também e não só por profissionais. Essas duas especialidades eram, principalmente, as cirurgias atendidas no Hospital Regional, limitado por falta de material. O Estado está tendo muita dificuldade em honrar seus compromissos.
O senhor acredita que seria melhor ampliar os hospitais já existentes ou construir um novo?
Existem duas questões aí. Primeiro de tudo, o foco. Se conseguisse mais dinheiro, era ampliar o Saúde da Família, focar na atenção primária. Essa deve ser a bíblia do gestor em saúde pública, é o que faz a diferença em termos de saúde pública e resolutibilidade. Depois, a gente sabe que Joinville, como polo regional, necessita de mais leitos hospitalares, que podem vir com a construção de um novo hospital ou a ampliação dos já existentes, o que acho uma coisa meio difícil. Tem fila de espera por cirurgia por causa dessa baixa oferta de estrutura.