Em clínicas e laboratórios, cientistas transformam ideias que poderiam estar nos livros de ficção científica em realidade. Na Universidade de Ciência e Saúde de Oregon, nos Estados Unidos, eles “editaram” o DNA de embriões humanos em laboratório para apagar um gene causador de doença cardíaca grave, a “cardiomiopatia hipertrófica”, que afeta uma em cada 500 pessoas.
A conquista desses cientistas foi publicada, na última semana, na conceituada revista Nature. Duas principais questões foram levantadas. De um lado, a descoberta acendeu em médicos a esperança de que, no futuro, a tecnologia possa eliminar qualquer chance de uma pessoa ter doenças graves, como câncer e esclerose. Do outro, isso botou lenha em uma discussão ética que se arrasta há anos na reprodução assistida – até que ponto a ciência pode interferir no trabalho de seleção da natureza?
“Imagine se a Angelina Jolie, ao descobrir a mutação genética que pode causar câncer e que a fez remover os dois seios, manipulasse seus óvulos para ‘apagar’ esse gene? Suas filhas nasceriam sem a mutação, assim como suas netas e as outras gerações”, exemplifica a ginecologista Hitomi Nakagawa, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida.
O resultado alcançado pelos cientistas de Oregon, segundo Nakagawa, é um dos maiores marcos na ciência da reprodução assistida, pois elimina a maior das barreiras éticas no estudo de embriões – as modificações foram feitas nos óvulos e espermatozoides, em vez de nos embriões formados.
Como a pesquisa em embriões é proibida, “cortar” genes doentes nas células reprodutivas antes da fecundação pode suavizar a repercussão ética e religiosa da situação.
No experimento, os pesquisadores alegam que “consertaram” dúzias de embriões ao eliminar com uma espécie de “tesoura” (uma enzima, na verdade), um gene responsável por uma condição cardíaca que pode levar à falha súbita do coração, especialmente em jovens atletas.
“O estudo é importante porque há perspectiva de aplicação clínica”, observa a presidente da SBRA. Nem a lei americana e nem a brasileira permitem ainda que esse tipo de teste seja feito clinicamente. Ainda segundo Nakagawa, a mesma técnica poderia ser aplicada inclusive a outros setores, como agrícola. “Você poderia manipular células reprodutivas em vacas, por exemplo, para que elas só produzam carne Waygu”, exemplifica.