A maioria dos hospitais públicos brasileiros (76%) apresenta infraestrutura pouco adequada (39%) ou inadequada (37%) ao atendimento de crises agudas de acidente vascular cerebral (AVC), uma das principais causas de mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis no País. Apenas 25% desses estabelecimentos se enquadram em parâmetros que os tornariam adequados (22%) ou muito adequados (3%) para essa finalidade.
Essa é a percepção de neurologistas e neurocirurgiões, especialistas com maior grau de qualificação para atender a esses casos, expressa em pesquisa do Conselho Federal de Medicina (CFM). Os profissionais que atendem na rede pública foram convidados a expressar suas opiniões em questionário estruturado a partir de itens definidos por nomes que são referência na área, incluindo representantes da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).
Os dados foram colhidos entre janeiro e março deste ano, sendo que a avaliação incluiu itens sobre estrutura física, equipamentos, medicamentos, capacitação e equipes multiprofissionais, entre outros. Também se buscou conhecer o grau de satisfação com os resultados alcançados com o atendimento oferecido.
O presidente do CFM, Carlos Vital, considerou os números representativos, pois dialogam com outros estudos da instituição. “Em levantamentos feitos com o Datafolha, já era apontado que o paciente do SUS tem queixas graves com relação ao tempo de espera para internação ou para fazer exames de maior complexidade. Os percentuais desse levantamento reforçam a percepção de falta de estrutura na rede pública”, disse.
Para os neurologistas e neurocirurgiões consultados, em 87,9% dos hospitais públicos que acolhem pacientes em crise aguda de AVC faltam leitos de internação; em 93% não há ressonância magnética disponível em até 15 minutos; e em 32% inexiste tomografia computadorizada. O grupo ainda relatou ausência de leitos de UTI/ emergência para pacientes isquêmicos, que precisam usar trombolíticos em 63,6% dos serviços. De forma geral, essas unidades carecem desse medicamento (52,6%) e de uma triagem para identificar os pacientes com AVC (57,5%).
O professor e neurologista Luiz Alberto Bacheschi, integrante da Câmara Técnica de Neurologia e Neurocirurgia do CFM, defende que, além de melhorias na infraestrutura, seja oferecida capacitação ao corpo clínico. “Temos de treinar nossas equipes de emergência. Onde não for possível um especialista, que seja dado suporte a distância”, defendeu.
“Estes são dados preocupantes, pois se um paciente com AVC for atendido mais rapidamente, menores serão as sequelas”, alerta o conselheiro Hideraldo Cabeça, coordenador da Câmara Técnica de Neurologia e Neurocirurgia do CFM. “Não estamos falando de unidades de pronto atendimento (UPAs), mas de hospitais de alta complexidade, que têm neurocirurgiões e neurologistas nos seus corpos clínicos e que são referência para o atendimento em AVC”, ponderou.
Avaliação negativa – As carências relatadas são a base da crítica dos neurologistas e neurocirurgiões que expõem sua preocupação com a qualidade dos serviços públicos no momento de avaliá-los. De acordo com a pesquisa do CFM, para 52,7% dos especialistas, os estabelecimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), em termos de infraestrutura, podem ser considerados péssimos (25,7%) ou ruins (27%).
A inexistência dos itens mínimos para o atendimento ocorre para 8,3% dos entrevistados. Apenas 12,9% avaliam as condições oferecidas aos pacientes como boas (11,2%) ou ótimas (1,7%). Na opinião de 21,6%, elas podem ser consideradas regulares.
Ao avaliar individualmente os itens apontados como necessários ao atendimento de crises agudas de AVC, as percepções negativas também predominaram. A qualidade da ressonância magnética nos hospitais públicos é descrita pelos neurologistas e neurocirurgiões como péssima (21,8%), ruim (12,8%) e regular (7,5%). Para 51,9% dos especialistas, esse equipamento é inexistente nos serviços. Outro item que preocupa são os serviços endovasculares com angiografia digital e trombólise.
Na avaliação de 38,2% dos especialistas, eles são inexistentes na rede pública. A percepção de que eles são péssimos ou ruins foi expressa por 24,5%; de que são regulares, por 15,3%; bons, por 12,2%; e ótimos, por 9,9%. Com relação à disponibilidade de leitos de internação para acolher a demanda no SUS, a crítica também é severa.
De acordo com os neurologistas e neurocirurgiões, a qualidade desse item é péssima para 31,1%. No entendimento de 25,6%, é ruim; regular, para 27,8%; boa, na opinião de 9,4%; e ótima, na de 4,4%. A inexistência foi apontada por 1,7% dos entrevistados. A realização de exames laboratoriais em até 15 minutos foi apontada como inadequada em 40% dos hospitais públicos, sendo avaliada inexistente por 4,1% dos médicos; péssima, por 14,4%; e ruim, por 22,1%.
Com respeito ao acesso aos tomógrafos, foi classificado como inexistente por 3,3% dos especialistas; péssimo, por 10,4%; e ruim, por 11,8%. Outro destaque: no momento da pesquisa, o trombolítico não estava disponível em 52,6% dos estabelecimentos, e 80% não dispunham de serviço endovascular com angiografia digital e trombólise.
“É contraditório um hospital ter um tomógrafo mas não conseguir fazer exames básicos”, observa Acary Souza Bulle de Oliveira, membro da CT de Neurologia e Neurocirurgia. De acordo com o protocolo de atendimento ao AVC do Ministério da Saúde, exames como hemograma e de glicose têm que ser feitos em até 15 minutos após o paciente dar entrada no hospital com suspeita de acidente.
Mortes e sequelas – Conhecido popularmente como derrame ou trombose, o AVC ocupa o segundo lugar no ranking de enfermidades que mais causam óbitos no Brasil, atrás apenas das doenças cardiovasculares. Para se ter uma ideia da gravidade, a cada hora, 11 brasileiros morrem por algum tipo de consequência do AVC, segundo os registros apurados pelo CFM junto ao Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde.
Em 2014, último ano em que há dados disponíveis, morreram no país mais de 99 mil pessoas. Os estados da região Norte são os que apresentam a maior incidência da mortalidade por AVC no país. Só no Amapá, de 2008 a 2014 houve aumento de 89,7% no número de mortes por AVC.
CONFIRA O QUADRO GERAL DE ÓBITOS POR AVC ENTRE 2008 E 2014.
No ano passado, quase 177 mil pessoas foram internadas para tratamento de AVC no SUS em todo o país. Quase 30 mil pacientes tiveram alta da internação por óbito. Se a tendência registrada até 2014 permanecer, a mortalidade poderá atingir novamente este ano o equivalente a mais da metade dos pacientes que passaram pelo SUS.
CONFIRA O QUADRO GERAL DE INTERNAÇÕES POR AVC ENTRE 2008 E 2016.
O AVC também é a primeira causa de incapacidade funcional no país e no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O paciente atingido pelo AVC pode ficar com sequelas como dificuldade para se locomover, falar, sofrer paralisia em um dos lados do corpo e perda de algumas funções neurológicas, entre outras.
Existem dois tipos de AVC, o hemorrágico, em que ocorre rompimento de artérias e sangramento no cérebro e o isquêmico, tipo mais frequente que representa 80% dos casos e é caracterizado pelo entupimento das artérias por um coágulo.
De acordo com os especialistas, a diferenciação imediata pelo médico entre um tipo e outro de AVC é determinante no sucesso do tratamento e na reversão de possíveis sequelas. A identificação na maioria das vezes é possível por meio do exame de tomografia ou pela ressonância magnética, dependendo do caso.
Saiba mais sobre o tema em www.avc.cfm.org.br