Há aproximadamente 20 anos, quando fazia residência médica, a pediatra e alergista Renata Cocco, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, atendia ao redor de duas crianças com alergia alimentar por semana. “Hoje tenho um ambulatório dedicado a isso”, diz. Renata não está sozinha. “Nota-se uma maior procura por prontos-socorros em decorrência das reações a alimentos”, conta a pediatra e alergista Ana Paula Moschione Castro, da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai). Apesar de não termos dados oficiais sobre a incidência do problema no Brasil, relatos como esses indicam que ele está em ascensão. E pior: as manifestações do quadro, que aflige cerca de 5% das crianças e 2% dos adultos, andam mais variadas e graves.
A ciência ainda não consegue explicar por que as proteínas de alguns alimentos são encaradas como inimigas pelo sistema imunológico, o ponto de partida das reações alérgicas. Verdade que o fator genético conta demais. Mas, em se tratando da influência do ambiente, diversas hipóteses são ventiladas. Uma das mais antigas e famosas é a chamada teoria da higiene. Segundo ela, o fato de vivermos em um ambiente tão limpinho e blindado contra agentes infecciosos deixou nosso organismo sensível demais – ponto para a alergia! Acontece que, desde 1989, quando a teoria surgiu, despontaram outras explicações para o fenômeno.
Uma delas recai sobre o parto cesárea, amplamente popularizado nas últimas décadas. Ele foi o alvo de uma pesquisa grega publicada recentemente no periódico da Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica. Os cientistas acompanharam 459 crianças nascidas em uma mesma maternidade durante os três primeiros anos de vida. Dessa turminha, 24 desenvolveram alergia alimentar. Ao cruzarem os dados, os estudiosos descobriram que, em comparação com os bebês nascidos de parto normal, aqueles que chegaram ao mundo via cesárea apresentavam maior probabilidade de reagir negativamente a certas comidas.
Faz sentido. Ao passar pelo canal vaginal, a criança entra em contato com a flora microbiana da mãe. Com isso, tira proveito das bactérias do bem presentes ali, que ajudarão a formar sua própria microbiota. Nesse processo, quem ganha é o sistema imune, que se portaria menos hiper-reativo. “Na cesárea, essa colonização é mais complicada”, observa a alergista Ariana Yang, coordenadora do Ambulatório de Alergia Alimentar do Hospital das Clínicas de São Paulo. Tem estudo sugerindo que o uso de probióticos no fim da gestação ajudaria a evitar a alergia em bebês nascidos por meio da cirurgia.