Em crise financeira, o Hospital São Paulo, ligado à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), reduziu nos últimos meses seus atendimentos pela metade – deixando 30 mil pacientes sem os serviços ambulatoriais e de pronto-socorro desde março.
Foram mil cirurgias a menos, e 40% dos 750 leitos de internação estão ociosos por falta de recursos. Segundo a reitora da Unifesp, Soraya Smaili, a capacidade de atendimento à população pode piorar, caso não haja novos repasses do governo federal.
As ações acadêmicas realizadas no hospital também correm risco. “As atividades de ensino, pesquisa e extensão não podem parar, e precisam ter sustentação“, diz ela, que assumiu na sexta-feira, 9 de junho, um novo mandato à frente da universidade.
Para voltar à situação de 2016, a universidade calcula a necessidade de um incremento de R$ 1,5 milhão por mês para atendimento de pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde). Isso se somaria aos cerca de R$ 20 milhões recebidos hoje mensalmente. O Hospital teve deficit de R$ 32,9 milhões em 2016. E a dívida é de R$ 160 milhões.
Ao mesmo tempo que a instituição briga por mais recursos do SUS, a gestão Michel Temer suspendeu, só ao Hospital São Paulo, um repasse destinado a hospitais universitários a R$ 18 milhões no ano. “Não há justificativa”, disse à Folha.
Soraya Smaili – A tabela SUS não é reajustada desde 2010. Tudo aumenta, menos o repasse. Não conseguimos cumprir contratos de forma satisfatória, o que nos obrigou a reduzir o atendimento. Até que culminou com o fechamento do atendimento de urgência, em março. O que não é emergência, encaminhamos.
Folha – Qual a situação do Hospital São Paulo hoje?
A falta de recursos faz com que a ocupação dos 750 leitos esteja em torno de 60%, o que não é bom. A população precisa. Temos ainda 19 salas cirúrgicas que não funcionam como poderiam. Tivemos queda de 50% no atendimento, cerca de 30 mil pessoas não foram atendidas, e mil cirurgias não foram feitas.
Mas por que a situação chegou só agora a esse ponto? Houve falhas de gestão?
Nós temos dificuldade acumulada para pagar fornecedores. Chegou ao ponto que os fornecedores não podiam dar mais prazo e a única solução foi reduzir o pronto-socorro. Não havia medicamentos básicos, gaze, papel, e a situação de segurança era crítica.
Não acho que houve erros, mas também não vou dizer que está tudo perfeito. Pode não estar. Se há necessidade de otimizar recursos, faremos. Já entregamos 30 casas que eram alugadas para atividades do hospital e da escola.
Qual é o deficit?
Nossa reivindicação é o retorno ao Rehuf [Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais], porque não há justificativa para ter sido interrompido. As atividades de ensino, pesquisa e extensão não podem parar, e precisam ter sustentação. Equivale a R$ 18 milhões no ano [R$ 10,6 milhões do montante já foram barrados]. E o pleito do hospital é de mais R$ 1,5 milhão por mês para voltar aos padrões de 2016. O hospital recebe R$ 20 milhões ao mês via SUS.
Qual é a importância desses recursos do Rehuf?
O hospital é universitário e compartilhamos estruturas com as escolas da área médica. A parte universitária tem programa de residência médica, é o maior programa de residência do país, com 1.682 residentes, 93 especialidades.
Temos pesquisas aqui que não são feitas em outro lugar. Pesquisas com micro-organismos raros que nós sabemos tratar. O método de diagnóstico do zika nós ajudamos a desenvolver na Escola Paulista de Medicina com o hospital.
O Ministério da Saúde chegou a divulgar que o Hospital São Paulo se tornou filantrópico, o que impediria o repasse. Algo mudou?
Já éramos hospital universitário e continuamos. Nada mudou. Outros hospitais universitários têm natureza jurídica parecida e só a gente deixou de receber. Nosso atendimento é de 97% de SUS, e, se precisar agora ser 100%, faremos isso.
Em 2010, quando fizeram o decreto que criou o Rehuf, atendemos uma condição, que era a SPDM [Associação Paulista Para o Desenvolvimento da Medicina, entidade privada que construiu o prédio nos anos 1940] ceder o imóvel para a Unifesp. Houve a cessão, e o terreno é metade da Unifesp. Inclusive recebemos R$ 70 milhões de recursos federais para obras nos últimos quatro anos.
Qual expectativa para a Unifesp nesse mandato novo?
É consolidar o projeto, a expansão, e consolidar a excelência da universidade com essa expansão. Conseguimos subir na nossa avaliação, tivemos conceito cinco no recredenciamento. Temos 21 projetos de obras e reformas. Se tivermos recursos, conseguimos fazer tudo.
SOLUÇÃO
O Ministério da Saúde informou aguardar informações sobre a situação financeira do Hospital São Paulo para analisar “soluções conjuntas com as secretarias de saúde do Estado e da capital”. “O repasse de recursos do governo federal responde por cerca de 90% do seu orçamento, ou seja, mais de R$ 568 milhões por ano, incluindo a folha de pagamento“, diz nota da pasta.
O hospital deixou de receber repasses do Reuf (Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais) por decisão do Ministério da Saúde. Os recursos são divididos entre Saúde e MEC (Ministério da Educação). A primeira parcela devida à Unifesp, de R$ 10,6 milhões, ficou retida.
Segundo a pasta, há um “impasse jurídico” sobre a natureza jurídica do hospital. Não explicou, entretanto, o que houve de novo para que o repasse fosse interrompido só agora. O MEC espera parecer da consultoria jurídica.