Uma vida assustadora e eufórica ao mesmo tempo, fazendo com que a pessoa esteja sempre caminhando em uma corda bamba imaginária entre a fase de depressão e maníaca, de euforia, prejudicando as relações. Esse quadro complexo em que o humor assume polos extremos caracteriza-se pelo Transtorno Bipolar de Humor (TBH), uma doença psiquiátrica crônica que não tem cura, envolvendo tratamento por toda a vida. Conforme estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença atinge de 8% a 10% da população mundial, considerando os casos mais brandos e aqueles com mais gravidade.
O paciente que sofre com a bipolaridade transita pelas duas fases existentes da doença. O estado da depressão é caracterizado pela falta de motivação, concentração e energia, além da perda de interesse nas atividades do cotidiano, ocasionando até o suicídio em situações mais extremas. Já no período maníaco, a pessoa fica bastante eufórica, exaltada, se envolve excessivamente em atividades que lhe dão prazer, apresenta dificuldades para dormir e, muitas vezes, psicose. Ambos os estágios não têm tempo determinado de duração. Podem levar dias ou até meses. “É importante entender que dentro do transtorno também temos o tipo 1, que alterna entre depressão e mania plena, e o tipo 2, que é caracterizado por depressão a mania mais leve, chamada de hipomania”, explica o coordenador do Departamento de Psiquiatria Clínica da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Gustavo Schestatsky.
O médico também esclarece que na fase maníaca o paciente se sente mais capaz de realizar tarefas e ainda existem fases diferentes dentro da própria euforia. “Não é incomum que as pessoas na fase de mania se sintam mais capazes, até mesmo no sentido intelectual. Também é importante esclarecer que existe a mania e a hipomania. Na primeira, o paciente perde o contato com a realidade. Durante a hipomania, ainda existe controle do real, fazendo com que o quadro possa até mesmo passar despercebido por muitos”.
A doença, provada por alguns estudos que fica mais nítida a partir dos 20 anos de idade, ainda tem sua origem como um mistério. Alguns especialistas acreditam que os fatores sejam genéticos ou por problemas no cérebro, entretanto, nada está comprovado. “O diagnóstico de bipolaridade é feito a partir de exame clínico e através do histórico do paciente. Uma das dificuldades que pode gerar erro de diagnóstico é ver um paciente depressivo e ter que descobrir se ele também já passou por uma fase de euforia. Por isso que é essencial o médico colher informações a partir dos familiares”, diz o psiquiatra.
Apesar de ser mais conhecida pela alteração de humor, a bipolaridade oferece um leque de nuanças fazendo com que algumas vezes o transtorno seja confundido com outra patologia, como o transtorno de personalidade boderline, por exemplo. A grande diferença entre essas doenças está no tempo de duração entre as fases. “O indivíduo borderline tem um padrão de instabilidade afetiva que acompanha desde o início da juventude, facilmente provocada por situações de vida como perdas ou separações reais ou antecipadas. Já no transtorno bipolar, esses episódios tendem a ser mais definidos, prolongados e muitas vezes independente de circunstâncias da vida”, esclarece Schestatsky.
Schestatsky alerta que para o tratamento ser eficaz, primeiramente, o paciente precisa se conscientizar que, logo após ser diagnosticado, não pode se desfazer das medicações pelo resto da vida. O tratamento da bipolaridade é feito, basicamente, por fármacos e psicoterapia. Os pacientes podem encontrar os medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS).
Convivendo com o transtorno
Todos os problemas que cercam a vida das pessoas com bipolaridade são conhecidos por Ana, de 34 anos. A mãe de três meninas revelou que em março de 2015 foi diagnosticada com o transtorno, em meio a um processo de separação. “Eu sofro de depressão e consultava a psiquiatra por conta disso, desde meus 20 anos, mas logo após a terapia de casal, estava muito para baixo e fui para uma psicóloga que me encaminhou para outra psiquiatra. Então, depois de algumas semanas de consultas, fui diagnosticada bipolar”, conta.
Nas viagens pelas duas fases da doença, Ana acelerou até o topo na euforia e caiu os degraus empurrada pela depressão, até mesmo com o pensamento de tirar a própria vida em alguns momentos. “Durante o período maníaco, muitas vezes eu perdia a memória, mas sei que falava demais e acelerado, não conseguia dormir e emagreci bastante. Na depressão, era um sentimento constante de que eu não servia para nada e perdia a vontade de fazer qualquer coisa. Pensei em cometer suicídio por mais de uma vez”, relata. No auge da doença, Ana conta que ingeriu álcool de forma exagerada.
No período em que estava convivendo com os transtornos, Ana revela que nunca ficava sozinha com as filhas, por escolha própria, para proteger as crianças em caso de alguma eventual crise. “Eu nunca tive conflito com as minhas filhas, apesar de sofrerem junto comigo. E para evitar qualquer enfrentamento com elas, de noite uma babá sempre dormia na minha casa”, revela.
Diante de muitas crises, a internação foi inevitável. Beber em demasia, perder a memória no dia seguinte e brigar com outras pessoas, foram fatores determinantes para que a decisão de ficar em tratamento viesse à tona. “Fui à psiquiatra e pedi para ser internada. Fiquei na internação por 18 dias e os primeiros dias foram os mais difíceis da minha vida”, afirma. Até os remédios começarem a fazer efeitos, Ana chegou a brigar com muitos profissionais da clínica.
Quando saiu da clínica, foram mais seis meses de tratamento com remédios e visitas ao psiquiatra.
Grupo de Ajuda
Os encontros são organizados por alunos de pós-graduação e residentes que também ministram as palestras. As reuniões do Grupo de Apoio aos Pacientes com Transtorno de Humor, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), ocorrem uma vez por mês, normalmente, na terceira terça-feira.
A intenção do grupo é oferecer mais informações à população para que não haja interpretações equivocadas sobre o diagnóstico e para que as pessoas com o transtorno sejam incentivadas a buscarem ajuda médica mais rápida. “Encontramos muitos problemas no entendimento da bipolaridade, pois muitas pessoas ainda acham que se trata apenas de oscilação de humor e não consideram um transtorno psiquiátrico grave. Por isso que o programa também serve para desmistificar essa parte”, salienta o coordenador do projeto e do Programa Ambulatorial do Transtorno Bipolar, Maurício Kunz.
O grupo é vinculado ao Programa de Atendimento do Transtorno de Humor Bipolar (Protahbi), do HCPA. Todas as palestras são gratuitas e são realizadas dentro do próprio HCPA. “Estamos tendo um público cada vez maior e o melhor é que os familiares estão cada vez mais presentes nos eventos”, diz Maurício.