O câncer mais prevalente nas crianças, a leucemia linfóide aguda, foi tema de reunião entre entidades médicas e a Secretaria Estadual de Saúde (SES), na quarta-feira, 10 de maio. O motivo é a importação de uma medicação chinesa para o tratamento deste tipo o câncer. “Há preocupação de entidades médicas em conjunto com associação de pais de crianças portadoras de câncer em relação à L-asparaginase comprada pelo Ministério da Saúde. Faltam estudos que comprovem a sua eficácia e essa é uma droga de extrema importância”, explicou o presidente do Sindicato de Médicos de Pernambuco (Simepe), Tadeu Calheiros.
A SES informou que a importação da droga é uma decisão do Ministério da Saúde. O Simepe trabalha pela interrupção imediata dessa droga, produzida na China, sobre a qual não há estudos, e pela substituição dela pela alemã, de eficácia garantida. “Imagine um pai que já sofre com diagnóstico de câncer, com a preocupação de saber se o filho está sendo realmente tratado”.
A geografia do Câncer
Não existe consenso entre os pesquisadores quanto ao estresse ser um fator de risco para o aparecimento de um câncer. Em todo o mundo, estudos extensos encontram evidências contra e a favor. A discordância foi levantada também por especialistas em evento de oncologia promovido pelo laboratório Bayer, em São Paulo, na última semana. Fatores de risco, como o estresse – possivelmente é -, podem definir os tipos de câncer predominantes em regiões e épocas diferentes.
No Hospital do Câncer de Pernambuco, por exemplo, o câncer de pele é extremamente comum em pacientes que chegam do interior. O sol levado em tempos remotos é refletido em pequenos “sinais” na pele que aumentam e podem até levar a óbito. Em 2015, de acordo com dado mais atualizado da Secretaria Estadual de Saúde (SES), 55 pessoas morreram com a doença. No ano anterior, foram 44.
Miguel Machado, de 47 anos, descobriu um sinal no rosto há menos de dois anos, mas vinha trabalhado sob sol a pino desde a juventude em Araripina, no Sertão do Estado. Na roça, não conhece ninguém que proteja a pele dos efeitos nocivos do sol.
“É um chapéu que não faz muita diferença nessa proteção. Só descobri o problema quando vi a marca embaixo do nariz. Ela foi mudando de lugar. Eu já estou indo para a terceira cirurgia e, hoje, parei de trabalhar porque não aguento mais a quentura”, contou. Da Zona Rural da cidade sertaneja e Arcoverde Maria Edilene, 44, também saiu da roça para o hospital. “Meu sinal foi na parte de trás do pescoço. Era como um caroço de feijão”, lembrou. O câncer foi removido e ela volta ao HCPE apenas para a revisão. Mas as consequências da doença a perseguem. “Quando soube que eu estava com a doença, meu marido me deixou. Por ignorância, mesmo, achou que era algo contagioso e partiu. Estávamos juntos havia mais de 20 anos”.
Os fatores de risco ambientais também estão relacionados a épocas. Liberina da Silva, 81, veio do interior para morar no bairro de Ouro Preto, em Olinda, na RMR, há cerca de 70 anos. Desde que chegou, ainda criança, lavava roupas em um rio, sem nenhuma tipo de proteção contra o sol. Caminhava pelas ruas acompanhada da sombra da trouxa que equilibrava na cabeça. “O sinal apareceu e eu passei a mexer, a arrancar. Uma hora estava muito grande e um filho meu me falou para procurar um médico porque aquilo poderia ser câncer. Foi mesmo. Mas após uma cirurgia que durou menos de duas horas, consegui resolver”, comemorou.
A sorte de Liberina não foi a mesma de Nivaldo Reis, 63, que também viveu numa época em que trabalhar diretamente sob o sol sem proteção era comum em todas as cidades pernambucanas. “Sou militar reformado e, nos anos 1980, trabalhava como soldador. Nas obras, pelo interior, como em Salgueiro, por exemplo, todos trabalhavam como eu, com o rosto sob o sol, sem se preocupar. Há dois anos percebi o problema e, já fiz 17 cirurgias. É muito provável que eu perca o olho direito em função do avanço da doença”, lamentou. “Estou vivendo à base de calmantes”. Diversos locais no rosto, pescoço e na parte superior do peito de Nivaldo foram atingidos.
Muito além de sinais na pele
Além do sol, o câncer de pele na Zona Rural está ligado à manipulação de agrotóxicos. “Após 25 anos de dermatologia continuo ouvindo que os pacientes borrifam esses químicos indiscriminadamente, sem equipamentos de proteção individual. Não vejo avanço nisso”, comentou a dermatologista do Hospital do Câncer de Pernambuco, Mecciene Mendes Rodrigues. “Eles começam muito cedo. Numa vida de 70, 80 anos, estão desde os 8 anos em contato com os produtos”.
Outro câncer comum na Zona Rural, especialmente no Norte e no Nordeste, é o câncer de pênis. “Ele está ligado à higiene e, muitas vezes, os trabalhadores de áreas muito isoladas não cuidam desse aspecto como deveriam. Já na Cidade Grande, o câncer de pulmão é muito associado à poluição. Não apenas ao fumo, como se pensa”, explicou o médico oncologista Otavio Clark, doutor em ciências médicas pela Unicamp. Em Pernambuco, cânceres de mama nas mulheres e próstata nos homens são os mais comuns.
“A relação do câncer com a presença do HPV é extrema no Nordeste brasileiro. É mais um traço que mostra como o câncer é mais ligado a fatores ambientais que genéticos. Só cerca de 7% da população tem síndrome genética que possa levar à doença”, contou o diretor do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes da Beneficência Portuguesa de São Paulo, Antônio Buzaid.
Com vasta experiência na área, tendo ensinado em instituições como a universidade de Yale e do Anderson Cancer Center, ambos nos Estados Unidos, Buzaid é dos médicos que, pessoalmente, acreditam na influência do estresse na presença da doença. “Em ratos, podemos visualmente perceber os tumores aumentando quando o colocamos sobre tensão. É provável que ele aja de maneira semelhante conosco. Mas, para além do estresse. Mas há diversos fatores de risco para se observar, em especial, a alimentação”.
Segundo Buzaid, 33% dos cânceres mundiais são decorrentes do fumo e da gordura saturada. Especialmente, os de pulmão, esôfago, bexiga, cabeça e pescoço. “Linguiça, salsicha, presunto, bacon e peito de peru são alimentos que, com certeza, são cancerígenos”, alertou. “O refrigerante é um dos piores, porque o câncer é ávido por açúcar“.