Uma campanha que começou em 2015 nas redes sociais como a tag #SalvemosLaMaternidadDelSur (“Salvemos a Maternidade do Sul”, em Valência, na Venezuela), em sinal de protesto, transformou-se num apostolado. Com 25 anos de profissão, o ginecologista obstetra Jorge Pérez foi penalizado por suas queixas por trabalhar sem os insumos necessários para atender as pacientes e os bebês que ajuda a trazer ao mundo. No fim de abril, ele foi chamado ao Instituto Carabobeño de Saúde e ganhou uma suspensão por 60 dias. Nunca soube o motivo.
Os pecados de Pérez são ter caminhado de Valência (capital de Carabobo) até Caracas para marchar no dia 10 de setembro — atendendo a uma convocação da Mesa da Unidade Democrática (MUD), com cartaz de protesto preso ao jaleco branco — e denunciar a falta recursos para tratar os pacientes.
Intimidações, censura, destituições e renúncias forçadas não pouparam nem ministro nem residentes de plantão. No dia 10 de maio, a ministra Antonieta Caporales, que assumira o cargo em janeiro, deixou suas funções, tendo sido nomeado para o cargo o farmacêutico Luis López, ex-vice-ministro e ex-diretor da Corporação de Saúde de Aragua, durante a gestão do atual vice-presidente Tarek el Aissami (que foi governador do estado de Aragua).
Ainda que Caporales não tenha firmado posição sobre sua saída prematura do cargo, nem o presidente da República tenha explicado a troca súbita da funcionária, sabe-se que a decisão veio a público três dias depois que os meios de comunicação divulgaram a informação oficial do Boletim Epidemiológico de 2016, em que se admite que a mortalidade infantil subiu 30% em um ano e a materna deu um salto de 65,79%.
O atual ministro da Saúde é conhecido por sua mão firme em assinar aposentadorias compulsórias e destituir médicos de seus cargos, desde 2012, principalmente de profissionais do Hospital Central de Maracay, por terem se posicionado de alguma forma pedindo insumos para o hospital. Em 2014 tiveram início ações legais contra um médico Ánge Sarmiento, hoje no exílio, por pedir informações sobre o aumento de casos de chicungunha e uma febre hemorrágica no centro de saúde, que causou mortes.
Há um mês, um médico de um hospital localizado a leste de Caracas, que prefere não se identificar, teve de escolher entre enfrentar acusações de uma suposta difamação ou renunciar, por ter comentado em seu sindicato que discordava das políticas de saúde.
O Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) também entra nos hospitais. Em 30 de novembro passado, o sindicalista José Luis Spitia e o ginecologista Gonzalo Müller, ambos funcionários do Hospital Magallanes de Catia, foram presos pelo Sebin por 72 horas por aceitarem donativos de insumos feitos pela mulher do dirigente político Leopoldo López. Spitia, hoje em liberdade, diz que foi detido, algemado e golpeado por civis que se apresentam como “boinas vermelhas” na oficina do diretor do hospital, Juan Carlos Marcano, hoje vice-ministro de Redes de Atenção Ambulatória.
Aposentadorias compulsórias e renúncias forçadas para evitar problemas legais são parte das intimidações. Dora Colmenares, cirurgiã que cuida de transplantes de fígado no Hospital Universitário de Maracaibo, recebeu aposentadoria sem que tenha pedido, dois meses depois de usar o direito de palavra na Assembleia Nacional, em 2 de agosto de 2016:
“Falei diante da Assembleia Nacional sobre a falta de recursos e que não foram publicados boletins epidemiológicos na época. Tínhamos uma escassez de 80% de medicamentos, que hoje é de 90%. Por isso me deram a aposentadoria. Não há água nem medicamentos e o corpo que dirige a instituição não está preparado. A decadência equivale a sete décadas de retrocesso, até em enfermidades erradicadas. Estamos como no século XIX”, disse.
Morte em manifestação
No domingo, venceu o prazo de afastamento de 60 dias de Jorge Pérez. Ele voltará à Maternidade do Sul com voluntários do arcebispado para pintar as instalações e levar donativos. Sua campanha agora se chama “Um gesto de misericórdia para a Maternidade do Sul”, e vem acompanhada de peregrinações até Maracaibo pedindo solução para a crise. “Peço pela saúde corporal e espiritual da Venezuela“, afirma.
Nas ruas, continua a violência nos protestos contra o regime. Edy Alejandro Terán, de 23 anos morreu na noite de sábado após ser ferido a bala numa manifestação em comunidade da região de El Murachi, em Valera, a 430km de Caracas. Em quase dois meses de protestos nas ruas contra o presidente Nicolás Maduro, ao menos 48 pessoas já morreram.
O governo venezuelano, por sua vez denunciou opositores por terem ateado fogo a um homem num protesto no sábado em Caracas. O ministro de Comunicação e Informação, Ernesto Villegas, denunciou o caso no Twitter, compartilhando um vídeo acompanhado do post: “Loucura crescente. Ateiam fogo a um ser humano durante uma ‘manifestação pacífica’ da oposição em Caracas. Fascismo inoculado”.
O homem, identificado como Orlando Figuera, 21, está internado em um hospital da capital com queimaduras de primeiro e segundo graus em 80% do corpo e feridas de arma branca, informou o Ministério do Interior e Justiça no Twitter. A Promotoria anunciou que abriu uma investigação sobre o caso. (Com agências internacionais)
Fonte: O Globo, com informações do El Nacional. / Foto: JUAN BARRETO/AFP/17-05-2017