O francês Marie François Xavier Bichat, médico cirurgião e anatomista, em sua curta vida (faleceu aos 31 anos) foi capaz de revolucionar o estudo da histologia considerando o tecido a unidade morfológica e fisiológica do ser vivo e as funções dos órgãos a resultante da combinação das atividades vitais dos tecidos que o compõem. Em sua obra Anatomie générale, appliquée à laphysiologie et à lamédecine, 4 tomes (1801), Bichat fez uma descrição da anatomia de diversos tecidos e a ele foi atribuído as Boules de Bichat, bolsas de gordura na região entre malar e mandíbula.
Os estudos avançaram e os primeiros relatos sobre a realização de cirurgia com finalidade estética para a retirada das Boules de Bichat só foram verificados em 1989, quando o cirurgião plástico mexicano, Guerrero Santos, descreveu o procedimento como apenas uma etapa da cirurgia plástica do rejuvenescimento facial, principalmente para os rostos mais arredondados.
Mas por que a bichectomia está sendo tão discutida hoje na mídia? A novidade é que a bichectomia realizada isoladamente não era comum e a população desconhecia que a correção cirúrgica do rosto arredondado era factível.
Atualmente vemos que a odontologia decidiu realizar essa cirurgia que aparenta ser simples, mas que tem riscos e pode acarretar sequelas como paralisia do ramo bucal do nervo facial, lesões do ducto parotídeo, entre outras. A ressecção excessiva pode ocasionar aspecto de face envelhecida, tanto que realizamos enxerto de gordura em pacientes de idade avançada.
A criação de Resoluções pelo Conselho Federal de Odontologia sem nenhum embasamento (somente em suas resoluções anteriores e revogando as quais os limitavam) e inundações de notícias e uma publicidade exagerada em que não são observados limites éticos, com apresentação de fotos do antes e do depois de seus pacientes, vídeos com dentistas afirmando quais foram as celebridades que fizeram a bichectomia com eles, entre outras formas de propagar esse procedimento, preocupa toda a categoria médica, em especial, os cirurgiões plásticos.
A execução desse procedimento sem a devida capacidade técnica pode ocasionar a descrença nos procedimentos – como verificamos frequentemente com pacientes que reclamam que o efeito da toxina botulínica não dura mais do que dois meses.
Em setembro de 2016 o Conselho Federal de Odontologia (CFO) autorizou os dentistas a realizarem a aplicação de toxina botulínica, preenchedores (considerando que não são procedimentos cirúrgicos) e desde que “não extrapolem sua área de atuação” pela Resolução CFO nº 176/2016. Na mesma Resolução é ampliada a área de atuação até o terço superior da face.
Em 22 de março de 2017, a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) ingressaram com a Ação Civil Pública nº 0012537-52.2017.4.01.3400 no Tribunal Regional Federal 1, em desfavor do CFO, em que se buscou a imediata suspensão dos efeitos e a consequente anulação da Resolução CFO nº 176/2016. Em seguida, o Conselho Federal de Medicina e a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) também ingressaram na referida ação judicial, para subsidiar o magistrado com informações técnico-jurídicas relativas ao tema e provas dessa atuação irregular, que coloca em risco saúde e vida dos pacientes.
Aos colegas médicos, cabe encaminhar seus pacientes para os cirurgiões plásticos, orientando sobre a importância do conhecimento técnico para diminuir riscos e evitar complicações.
Por: Dimitri Cardoso Dimatos é médico filiado ao SIMESC e cirurgião plástico