Após quatro dias internado no Hospital Geral de Nova Iguaçu (HGNI), na Baixada Fluminense, o soldado Gilberto Guimarães Pereira Corrêa não resistiu aos ferimentos na barriga e no queixo e morreu. O policial — que por conta da violência no estado tinha o sonho de deixar a PM e se tornar professor — foi atingido por dois tiros durante uma operação numa favela em Japeri, também na Baixada.
O caso do soldado Gilberto entrou para uma triste estatística de um estado conflagrado. Com base em informações das secretarias estadual e municipal de Saúde do Rio e do HGNI, um levantamento inédito feito pelo Jornal EXTRA revelou um dado estarrecedor: 4.204 pacientes feridos por disparos de armas de fogo foram atendidos nos 12 maiores hospitais públicos da Região Metropolitana do Rio em 2016. Em média, a cada duas horas, um baleado dá entrada em unidades de saúde do Grande Rio.
— Há um mês o Gilberto começou um curso para fazer prova para a rede estadual de Educação. Não estava mais aguentando a rotina de tiroteios — disse um parente do PM, após deixar o hospital.
Em comparação com 2015, o número de pacientes atendidos em algumas unidades quase dobrou. No Hospital municipal Miguel Couto, na Gávea, por exemplo, houve um aumento de 77% nos casos: 66 em 2015 e 117 em 2016. Já no Souza Aguiar, no Centro, foram 180 pacientes baleados em 2015 e 300 no ano passado.
Para o cirurgião torácico Sergio Sardinha, que trabalha nos hospitais Souza Aguiar e Alberto Torres, houve uma explosão dos atendimentos de feridos a tiros em 2016.
— Passar a madrugada operando baleados era algo ultrapassado. Quase não passávamos mais por isso. Do ano passado para cá voltou a acontecer. É um reflexo do declínio das UPPs — opinou.
Unidade na Baixada lidera
A unidade que lidera os casos de atendimentos a baleados no estado é o Hospital estadual Adão Pereira Nunes, conhecido como Hospital de Saracuruna, em Caxias. No ano passado, 658 pacientes feridos deram entrada lá, quase dois por dia. Já outro na região, o HGNI, ou Hospital da Posse, é recordista em internações de baleados — casos mais graves em que, após o atendimento emergencial, o paciente é operado e fica na unidade. De acordo com dados do Sistema Único de Saúde (SUS), em 2016, de um total 475 baleados atendidos, 323 ficaram internados na Posse.
Desde que se formou, a dermatologista Amanda Fonseca da Costa Val, de 36 anos, trabalha em hospitais da Baixada. Há nove anos como chefe de plantão da emergência do HGNI, ela acompanhou de perto a mudança de perfil nos atendimentos do setor.
— Quando comecei a trabalhar aqui a maior parte dos atendimentos eram de acidentes de carro ou moto. Hoje, o HGNI é quase um hospital de guerra. Já atendemos 11 baleados num plantão. E, a cada ano que passa, os traumas são mais graves por conta da mudança no perfil das armas utilizadas nos crimes: hoje atendemos muito mais baleados por fuzis — afirma.
O HGNI é o hospital que mais registrou mortes após internações: 53.
Detalhes do levantamento
Em casos de mortes de pacientes baleados, o levantamento do EXTRA só levou em consideração as que ocorreram durante internações (dados fornecidos pelo SUS). Casos de mortes em atendimentos de emergência não foram contabilizados.
O EXTRA teve acesso ao número de atendimentos de baleados em 2015 e 2016 em dez hospitais da Região Metropolitana. No caso de duas unidades — os hospitais municipais Albert Schweitzer e Pedro II —, só dados de 2016 foram disponibilizados. No caso das outras dez unidades, o número de baleados aumentou 23% de 2015 para 2016 — de 3.014 para 3.719.
O Ministério da Saúde não forneceu dados sobre baleados em dois hospitais federais: Andaraí e Bonsucesso.
Enquanto o número de atendimentos aumenta, algumas unidades vivem na penúria financeira: o HGNI por exemplo, tem uma dívida de R$ 28 milhões.
— Por conta do aumento no número de baleados, tivemos que aumentar a quantidade de médicos nos plantões e diversificar as especialidades. Hoje, são 30 médicos num plantão. Por vezes também viramos um hospital penitenciário. Já tive 19 pacientes custodiados. Tudo isso tem um custo, que hoje não estamos conseguindo suportar — conta Joé Sestello, diretor do HGNI.