Mesmo com a temporada de vacinação contra a gripe chegando, a aproximação do inverno causa apreensão entre os mais velhos, por causa do risco aumentado de doenças respiratórias durante a estação. Para saber mais sobre o assunto, conversei com o pneumologista Marco Aurelio Scarpinella Bueno, doutor em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, médico do Hospital Israelita Albert Einstein e Fellow do American College of Chest Physicians.
Como se dá o desgaste do aparelho respiratório no processo de envelhecimento? A atividade física pode ajudar a retardar os problemas?
Doutor Marco Aurélio Scarpinella Bueno: alterações da anatomia e especialmente da fisiologia respiratória, que ocorrem ao longo do envelhecimento, podem contribuir para uma frequência maior de certas alterações observadas nos idosos, como pneumonias e a diminuição da oxigenação arterial. O funcionamento do sistema respiratório é bastante complexo, mas algumas mudanças importantes que ocorrem ao longo da vida são:
1) Aumento na rigidez da caixa torácica associado ao enfraquecimento dos músculos torácicos e uma participação cada vez maior dos músculos abdominais;
2) Uma remodelação no formato do diafragma, o músculo mais importante do sistema respiratório, que acaba perdendo sua eficiência, resultando em um aumento no trabalho respiratório, especialmente durante o exercício;
3) A tosse, o principal mecanismo de defesa do sistema respiratório, se torna menos vigorosa e eficiente.
Apesar da prática regular de exercícios ser benéfica ao melhorar a capacidade aeróbica e reduzir diversos eventos cardiovasculares, não há dados científicos robustos até o momento que mostrem que a atividade física possa retardar o envelhecimento do sistema respiratório.
Quais são as doenças respiratórias mais comuns acima dos 50 anos?
Doutor Marco Aurélio: resumidamente, podemos dizer que as doenças respiratórias mais frequentes com o envelhecimento são:
Pneumonias: quadros infecciosos do pulmão que podem ser causados por bactérias, vírus ou fungos. Na pneumonia ocorre preenchimento do alvéolo por pus e/ou material inflamatório. O paciente geralmente se queixa de tosse com ou sem catarro. Pode haver febre. Dificuldades para engolir adequadamente e presença de refluxo gastroesofágico podem facilitar episódios de broncoaspiração pulmonar.
Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC): geralmente associada ao tabagismo, é uma doença crônica, incurável, caracterizada pela obstrução progressiva à saída de ar dos pulmões. Dentre as manifestações incluídas na DPOC destacam-se a bronquite crônica, que também tem relação direta com o tabagismo e se caracteriza por tosse crônica produtiva (com catarro) na maior do tempo; e o enfisema pulmonar, igualmente com relação direta com o tabagismo. Caracteriza-se por uma falta de ar progressiva aos esforços.
Câncer de pulmão: 90% dos casos têm relação com o hábito de fumar. Infelizmente a maior parcela dos pacientes não apresenta sintomas específicos, o que faz com que o diagnóstico seja feito em fases avançadas da doença, o que reduz muito as chances de cura.
Fibrose pulmonar idiopática: é uma doença respiratória crônica, progressiva e de mau prognóstico. É uma entidade clínica que tem sido alvo de muita investigação, ainda não se sabendo ao certo a etiologia exata da doença. É mais comum em homens a partir dos 55 anos. Acredita-se que haja uma associação com doença do refluxo gastroesofágico. Os pacientes se queixam de falta de ar crônica, com piora progressiva e tosse seca.
Por que a chegada do outono/inverno aumenta o número de complicações respiratórias?
Doutor Marco Aurélio: a Organização Mundial da Saúde afirma que o clima exerce papel importante na transmissão de várias doenças infecciosas, mas a verdade é que a relação entre clima e saúde ainda não está totalmente estabelecida. Há trabalhos clínicos, com grande número de vieses, que mostram efeito da temperatura ou da umidade do ar no desenvolvimento de doenças respiratórias. Mais do que a queda de temperatura que pode ocorrer no outono/inverno, é a diminuição da umidade relativa do ar o principal fator que explica o aumento de doenças respiratórias neste período. Uma umidade relativa do ar adequada é fator essencial para o bom funcionamento do sistema respiratório. Outros fatores importantes são o hábito das pessoas em manter portas e janelas fechadas, evitando a circulação do ar, e a tendência em se aglomerarem em ambientes fechados.
Sabemos que os mais velhos tendem a ingerir menos líquido, principalmente quando está frio. Isso pode facilitar complicações respiratórias?
Doutor Marco Aurélio: de fato, a umidade é essencial para o bom funcionamento do sistema respiratório. É a umidade que garante a integridade da mucosa respiratória e o bom funcionamento dos cílios respiratórios, responsáveis por ajudar a eliminar os agentes infecciosos das vias aéreas. É importante estimular a ingestão de líquidos, assim como o hábito de lavar as narinas com soro fisiológico. Evitar locais fechados e mal ventilados também é importante. Se possível, mantenha um umidificador para combater o ar seco. A higiene adequada das mãos após assoar o nariz e o hábito de tossir com etiqueta, ou seja, cobrir nariz e boca ao tossir também são fatores importantes para evitar o contágio de outras pessoas.
Que sinais servem de alerta para se procurar um médico?
Doutor Marco Aurélio: nesta época de outono/inverno não é incomum o aparecimento de resfriados, que se caracterizam por obstrução nasal, espirros, uma leve dor de garganta e, eventualmente febre baixa. Tais sintomas são autolimitados e geralmente duram 3 ou 4 dias. Agora, se o paciente apresentar febre alta, queda de estado geral, secreção espessa pelo nariz ou tosse com catarro, é importante que procure assistência médica o quanto antes.
A vacinação é importante? Em que casos ela é contraindicada?
Doutor Marco Aurélio: vacinar contra gripe e pneumonia causada pelo pneumococo, o agente bacteriano mais frequente, é sempre importante. Há dados de literatura mostrando que a vacinação contra pneumonia pode reduzir em até 45% o número de hospitalizações e em até 75% a mortalidade pela doença. Para os indivíduos que vivem em lares de idosos, a vacinação pode reduzir em 60% o risco de contrair a doença e em até 68% o risco de hospitalização. Em relação à gripe, os dados de literatura mostram que a vacinação anual não apenas diminui o risco da infecção pelo vírus, como também reduz a gravidade da doença naqueles que são infectados, incluindo o risco de morte. De uma forma geral a vacinação de gripe não é recomendada para aqueles com alergia à proteína do ovo (a albumina é usada para fabricar a vacina) ou aqueles que apresentaram reação adversa à vacina em anos anteriores. Pacientes que sofrem de doenças neurológicas devem consultar seu médico antes. Por último, não se recomenda vacinar se a pessoa estiver com uma doença aguda febril.
Fonte: Bem Estar