O sono tranquilo da pequena Ester só é atrapalhado pelo frio e pelo grande movimento na entrada da maternidade do Hospital Agamenon Magalhães, no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife. No local, a recém-nascida que veio ao mundo há menos de 24 horas é uma das habitantes do corredor da unidade. Em uma maca ao lado, a mãe, deficiente auditiva, também recebe os cuidados de profissionais, que se desdobram para aliviar o desconforto da situação. Nada diferente na rotina da unidade, que sofre diariamente com a falta de leitos e a superlotação.
Os corredores do ambiente são intercalados por salas onde funcionam as enfermarias, que recebem pacientes de acordo com o perfil e complexidade. Todas essas enfermarias têm nomes de flores, embora nem de longe recebam um tratamento semelhante a elas. Sem tempo para se deixar levar e pensar no quão desgastante é atuar em um lugar como esse, médicos e demais profissionais de saúde fazem tudo dentro do possível. É preciso ter atenção, driblar cada um dos obstáculos, psicológicos e físicos, já que a falta de espaço faz com que pessoas e objetos se misturem num único e triste cenário.
São 9h da manhã em um dos hospitais de referência de Pernambuco e o que se vê é um dia “tranquilo”. Isso porque de acordo com os profissionais da unidade, a maternidade conta neste momento com 41 pacientes que dependem desses serviços. O local, que tem apenas 19 leitos, respira com dificuldade, embora números desta mesma semana ainda mostrem que a situação é uma montanha russa diária. Na última quarta-feira, por exemplo, o local chegou a receber 56 pacientes, algo até inimaginável para quem circula pelo local.
Essa realidade difícil e triste foi a grande motivadora de uma série de fiscalizações conjunta das entidades médicas que começou, na sexta-feira, 17 de fevereiro, realizada por uma equipe formada pelo presidente do Sindicato dos Médicos, Tadeu Calheiros; pela vice Claudia Beatriz; pela diretora executiva Malu David; pelo presidente do Cremepe, André Dubeux; e pela médica fiscal Poliana Neves. A ação tem o objetivo de reunir dados concretos sobre a situação vivida no local, que serão encaminhados posteriormente ao Ministério Público do Estado.
Na visita, a fiscalização aproveitou para vistoriar outras áreas bastante procuradas, como a cardiologia e o setor de clínica médica. Na área voltada para os cuidados com o coração, o dia também era “tranquilo”, pois os 31 leitos disponíveis abrigavam “apenas” 56 pessoas simultaneamente. A unidade já chegou a precisar internar mais de 100 pacientes no mesmo espaço, que já era insuficiente. O resultado foram macas expostas no corredor e até em uma parte que não tem cobertura contra sol e chuva. Tudo isso para manter vivas as últimas esperanças de quem já está em estado de vulnerabilidade.
Chegando ao térreo, na clínica médica, nova superlotação. No espaço onde somente 22 leitos estão instalados, o atendimento na manhã desta quarta-feira recebia 72 pacientes. A situação é agravada pela falta de regulação dos atendimentos no local, mantendo o que se chama de “porta aberta”, ou seja, que pacientes de menor complexidade sejam atendidos no local, aumentando a superlotação.
O presidente do Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe), ao fim da fiscalização, fez uma avaliação da situação vivida em Pernambuco. “Há um grande problema em todo o Estado com a atenção à gestante. Há superlotação exagerada em todo os setores e em outros hospitais. Vamos continuar as fiscalizações em outras maternidades para poder levar para o Ministério Público dados concretos. É preciso envolver mais entes, a participação da gestão estadual, para tentarmos dar objetividade a pontos que possam melhorar, diminuir essa superlotação, dar mais estruturas para os médicos atuarem. Estamos chegando ao ponto de adoecimento dos profissionais nesta rede, superlotada, fazendo muitas vezes escolhas diárias, o que é muito desgastante”, destaca.
O presidente do Cremepe, André Dubeux, também ressaltou a importância do encontro com que será realizado com o MP e pontuou temas importantes, entre elas uma que precisa ser aplicada para diminuir a superlotação. “Vamos fazer a nossa reunião com o Simepe e a AMPE para levar uma pauta ao secretário estadual de saúde. Entre as questões que vamos lutar está a garantia de que o HAM não tenha ‘porta aberta’ e, sim, seja regulado, porque não faz sentido os médicos atenderem pacientes graves e de baixa complexidade numa unidade terciária como esta, quando esses pacientes de menor complexidade deveriam ser atendidos na UPA”, afirma.
Além do HAM, outras unidades importantes de saúde em Pernambuco serão fiscalizadas. A audiência com o Ministério Público de Pernambuco será realizada na próxima quarta-feira, 22 de fevereiro.
Fonte: Simepe