No meio do expediente, em um restaurante de Jaraguá do Sul (SC), um jovem garçom que sonhava ser médico ouviu do patrão: “Você é pobre, estudou em escola pública, como você acha que vai conseguir, se tanto rico estuda e não consegue? Você vai trabalhar pra mim a vida inteira”.
Três anos depois, o mesmo rapaz que carregava bandejas e limpava mesas comemora por ser o mais novo calouro de medicina. Em tentativas nos últimos anos, conquistou aprovações em instituições particulares, mas sem condições de pagar, viu no bom desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a chance de chegar ao sonhado curso. A nota o fez somar ao todo 11 opções de universidades, entre elas, a Universidade de São Paulo (USP), uma das mais concorridas do país.
“Hoje eu realizo um sonho, por que não me deixei levar por quem não acreditava em mim. Tem que acreditar. No meu caso, é interessante ter um alicerce. Toda noite eu orava, pedia a Deus que me ajudasse a realizar esse sonho. Eu ganhei a bolsa no cursinho o curso, consegui tantas aprovações. Sei que é fruto do meu esforço, mas acho que eu tive aquele empurrãozinho de Deus”, insinua ele.
“Eu sempre digo que antes teve muitas reprovações. Eu não sou uma pessoa com muito dinheiro mesmo, ninguém da minha família tem curso superior, eu estudei a vida toda em escola pública. Em resumo, eu tinha tudo pra dar errado. Mas eu tinha um sonho. Eu suei muito e com muito esforço, eu consegui”, afirma ao site G1 Vanderson Mayron Granemann Antunes, de 20 anos.
Ele entrou na USP pelo processo seletivo para universidades públicas, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e, na sexta-feira, 3 de fevereiro, foi o primeiro a fazer matrícula no campus de Ribeirão Preto, no interior paulista.
“Quando eu desanimava, eu lembrava da frase do meu empregador do restaurante, e aquilo me motivava a levantar da cama”, conta o estudante, que é natural de Otacílio Costa, no estado catarinense, mas há dois anos mudou-se para Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde fez cursinho pré-vestibular.
Mas essa história começou a ser escrita há 15 anos. Aos seis anos de idade, Vanderson decidiu que queria ser médico, inspirado por uma perda familiar. “Uma prima morreu, por erro médico, e foi uma cena muito triste. Eu dizia: ‘Eu quero ser médico pra não deixar isso acontecer mais’. Naquela época isso era só um sonho de criança”, recorda ele, que amadureceu a ideia aos 11, quando já sabia a resposta que daria quando lhe perguntavam o que gostaria de ser quando crescesse.
Vanderson fez os ensinos Fundamental e Médio na mesma escola pública de Jaguará do Sul. Antes de concluir os estudos, começou a trabalhar como garçom para ajudar nas despesas da casa, onde morava com a mãe, Maria, 56 anos, e o irmão, Jeferson, 35. Com 16 anos, decidiu que cursaria medicina na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Foi reprovado na primeira tentativa.
“Fiz o vestibular e não passei, é claro. Eu trabalhava o dia inteiro como garçom, fazia cursinho à noite. Até que eu decidi juntar o meu dinheiro e me mudar pra Santa Maria, para me dedicar a isso”, lembra.
Em fevereiro de 2015, Vanderson juntou as malas e pegou a estrada rumo à cidade gaúcha. Com as economias, pagou o preparatório à vista, por que era mais barato. Por dois meses, foi acolhido por uma família, e depois dividiu apartamento com alguns amigos, até que mudou-se para uma pensão, administrada por uma senhora de 70 anos chamada Dona Terezinha. As depesas com alimentação e aluguel eram custeadas pela família.
No fim daquele ano, conquistou a primeira aprovação, na Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac). Porém, sabendo que não teria condições de pagar as mensalidades da instituição particular, decidiu não cursar. Optou por ficar mais um ano em Santa Maria para continuar estudando e, quem sabe, conquistar uma vaga na federal ou a uma bolsa.
“Eu vivi um dilema, porque achei que essa era a única chance que eu teria na minha vida. Mas não tinha como pagar mesmo”, afirma.
Decidido a trocar festas e encontro com amigos, por noites em claro, brinca que teve um “empurrãozinho” ao ganhar uma bolsa de estudos, oferecida por um professor que na época abria um novo cursinho pré-vestibular na cidade. “Me convidaram para ser monitor e me deram a bolsa, que era de R$ 26 mil. Eu paguei apenas o material, que deu R$ 1.950. Foi a melhor opção da minha vida”, diz.
A rotina de estudos era intensa. Dividia-se entre aulas pelas manhãs e tardes. Em casa, estudava até quase meia-noite. Nos finais de semana, debruçava-se sobre listas de 250 exercícios. O foco era obter um bom resultado no Enem.
“Na minha visão, o Enem é a prova mais importante que tem. Abre portas, como Prouni [Programa Universidade Para Todos], Sisu [Sistema de Seleção Unificada], Fies [Fundo de Financiamento Estudantil]. Minha mãe estudou até a 5ª série porque ela não teve oportunidades. Mas hoje em dia isso não precisa mais ser assim. Tem oportunidades, é só ir atrás”, frisa.
A maior surpresa foi quando recebeu o último boletim do Enem. A pontuação, incluindo 960 pontos na Redação, garantiu uma das dez vagas de cotistas na USP, pelo Sisu.
“Nunca acreditei que a USP fosse possível por causa do vestibular da Fuvest. Mas acabei tirando uma nota alta no Enem e isso me deu a vaga. É uma felicidade que não cabe no peito”, afirma.
As opções de Vanderson, nos dois últimos anos:
– Universidade de São Paulo (USP) 2017/01
– Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 2017/1
– Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) 2017/1
– Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac) 2016/1
– Universidade da Região de Joinville (Univille) 2016/2
– Universidade Federal do Piauí (UFPI) 2016/2
– Universidade de Caxias do Sul (UCS) 2016/2
– Universidade de Passo Fundo (UPF) 2017/1
– Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 2017/1
– Universidade Federal do Paraná (UFPR) 2017/1
– Centro Universitário Univates 2017/1
Fonte: G1