Apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmar que apenas uma dose da vacina da febre amarela é suficiente para proteger contra a doença por toda a vida, o Ministério da Saúde continua a indicar duas doses. A medida vale para quem mora nas áreas de recomendação e para quem vai viajar para elas — fica de fora apenas a faixa litorânea do país, incluindo o Rio de Janeiro.
Especialistas brasileiros consideram que a imunização em duas doses é uma estratégia de prudência. Pela recomendação do ministério, a primeira dose garante proteção por dez anos. Mas, para uma imunização definitiva, para toda a vida, é preciso aplicar uma segunda dose, de reforço.
— Garantir que uma dose só imuniza por toda a vida é um pouco arriscado — diz Reinaldo de Menezes Martins, consultor científico sênior de Biomanguinhos/Fiocruz, instituição que produz a vacina no país. — No Brasil, onde há a doença de forma endêmica, é melhor ser mais prudente. A recomendação no país já foi tomar a vacina de dez em dez anos ao longo de toda a vida, mas comprovamos que isso é um exagero. No entanto, se vai continuar sendo dada em duas doses ou se passará para somente uma dose, isso vai depender de novas pesquisas científicas feitas nos próximos anos.
A OMS alega ter realizado uma revisão de estudos que mostram a eficácia de apenas uma dose, mas, segundo Martins, existem estudos brasileiros localizados que evidenciam o contrário.
— Não estou dizendo que a decisão da OMS é errada, mas optamos por ser mais cautelosos — pontua ele.
FALTA DE VACINAS NO MUNDO
O entendimento de muitos especialistas é de que essa nova postura da OMS, adotada em maio de 2013, deve-se à escassez de vacina contra a febre amarela ao redor do mundo. Em muitas regiões da África, por exemplo, não há quantidade de vacinas suficiente para dar duas doses à população. Logo, com base na falta de sustentabilidade desse tipo de recomendação e com base em estudos que mostram que surtos em geral podem ser contidos com apenas uma dose, a OMS teria tomado a decisão de recomendar a dose única.
No Brasil, nunca houve registro de falta da vacina. Mas pesquisadores de todo o mundo se preocupam em conseguir aprimorar a técnica para fabricá-la, porque o método utilizado atualmente é o mesmo de 1937, quando a vacina começou a ser usada. A técnica, complexa e antiga, não permite uma produção acelerada, por isso algumas regiões do mundo recebem menos vacinas do que de fato precisam.
No surto de febre amarela ocorrido em Angola, de abril a julho do ano passado, por exemplo, a OMS chegou a recomendar que apenas 1/5 da dose fosse dada a cada pessoa, com o objetivo de proteger uma população maior com a pouca quantidade de vacinas disponível naquele momento. Segundo o organismo internacional, em situações emergenciais esta é uma medida razoável, porque essa pequena fração da dose já consegue proteger o organismo contra o vírus, ainda que a duração da proteção seja menor do que os dez anos oferecidos pela dose normal.
AUMENTO DA PROCURA NO RIO DE JANEIRO
Reinaldo de Menezes Martins, da Fiocruz, destaca que as pessoas que estão fora das áreas de recomendação para a vacina não precisam correr para tomá-la. Por causa do atual surto em Minas Gerais, muitos moradores do Rio estão entrando em contato com a Fiocruz para se imunizar, mas está não é a recomendação.
Ele explica que, nos lugares onde não há registro da doença por muitas décadas, como é o caso do Rio, não há motivo para que as pessoas se exponham aos possíveis efeitos colaterais da vacina.
— A grande maioria das pessoas que toma a vacina da febre amarela não sente nada. Mas uma a cada 300 mil ou 400 mil desenvolve algum sintoma relacionado à febre amarela. Quando sabe-se que o vírus circula por determinado lugar, o benefício de se vacinar supera o risco. Mas, quando o vírus não é encontrado na região, não tem motivo para se expor a esse risco. É basicamente por causa desses efeitos adversos que não se coloca a imunização contra febre amarela como política de vacinação em todo o país — explica Martins.
Atualmente, dentro das áreas de recomendação no Brasil, a política é que as crianças sejam imunizadas aos 9 meses de idade e tomem uma segunda dose aos 4 anos. Quem toma a primeira dose depois dos 5 anos deve tomar um reforço após dez anos.
Em nota, o Ministério da Saúde justifica as duas doses como uma medida extra de segurança.
“O esquema adotado pelo Ministério da Saúde de manter a dose de reforço é uma medida a mais de segurança para evitar a transmissão da doença, visto que não há estudos locais que comprovem a eficácia de apenas uma dose na população brasileira, até o momento“, diz a nota.
Fonte: O Globo