Em dezenove dias, 34 brasileiros tiveram febre amarela. 23 morreram. Há mais 31 mortes suspeitas e 141 casos em investigação pelo Ministério da Saúde até a quinta-feira 19. A febre amarela é grave, causada por vírus e transmitida por mosquitos. É também prevenível por meio de um sistema eficaz de vigilância sanitária e de vacinação. Pelo panorama registrado só em janeiro, é evidente que nada disso aconteceu. E a pergunta que se faz é se a doença vai se espalhar, saindo das áreas rurais, onde estão os doentes, para chegar às cidades. Caso isso aconteça, será mais um atestado de falência da atenção à saúde pública.
O último surto urbano ocorreu em 1942, no Acre. É de se esperar que o País tenha avançado nos últimos 75 anos e consiga impedir a repetição da história. A análise do cenário atual, no entanto, aponta um caldeirão propício à propagação da febre. A doença apresenta-se em duas formas: a silvestre e a urbana. A primeira restringe-se a áreas rurais. Seu ciclo de transmissão envolve macacos infectados, os mosquitos do gênero Haemagoggus e Sabethes e o homem. Na segunda, o vírus é passado pelo Aedes aegypti, o mesmo da dengue, a chikungunya e a zika.
Está aí a primeira razão de temor de que a doença se espalhe. O Aedes encontra-se disseminado pelo País e bastaria que indivíduos contaminados chegassem às zonas urbanas e fossem picados para iniciar o ciclo de contágio nas cidades. E nesse ano a doença se aproxima das fronteiras dos grandes municípios. Casos suspeitos foram registrados no Espírito Santo (seis até a semana passada), estado que se situa fora da região de risco.
Um esquema efetivo de prevenção pode conter a escalada de casos cidades adentro. Na terça-feira 17, 500 mil doses da vacina chegaram a Vitória, no Espírito Santo, para serem distribuídas a 26 municípios próximos a Minas Gerais, onde ocorre o surto. No dia seguinte, o Ministério da Saúde anunciou o bloqueio por meio de vacinação em 14 localidades do Rio de Janeiro e 45 da Bahia, todos próximos a Minas. Municípios perto de São José do Rio Preto, em São Paulo, também adotaram a vacinação depois do aparecimento de dois macacos mortos infectados.
Na prática, há dificuldades na execução da iniciativa. Na quarta-feira, Ricardo de Oliveira, secretário estadual da Saúde do Espírito Santo, conversava com autoridades municipais para montar um sistema de vacinação. “Um prefeito já me disse que não tem estrutura para vacinar em massa”, contou. É preciso lembrar que os prefeitos são recém-empossados e, na sua maioria, estão assumindo administrações quebradas financeiramente.
FALTA DE VACINA
Mesmo nos lugares de risco, há falhas. “Estamos sofrendo muito com a falta de vacinas”, contou Renata Couto, secretária de saúde de Piedade de Caratinga, em Minas Gerais. Quatro das mortes aconteceram na cidade. São 8 mil habitantes. A secretária diz que só a metade está vacinada. E que os remédios chegam a conta-gotas, apesar da emergência da situação. O governo mineiro assegura que mais de 5 mil doses foram enviadas só este mês. “Como parte da população já é vacinada, a cobertura está próxima de 100%”, afirma Rodrigo Said, da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais.
Para o Ministério da Saúde, está tudo sob controle, embora na sua página online conste o aviso de que há “elevado potencial de disseminação em áreas urbanas infestadas por Aedes aegypti.” O epidemiologista Guilherme Franco Netto, da Fundação Oswaldo Cruz, também acredita que a doença será contida. “A chance de que ela se propague é pequena”.
Na opinião dos infectologistas Jesse Alves e Antonio Bandeira, as circunstâncias exigem alerta. “No ano passado, Minas Gerais e São Paulo apresentaram atividade do vírus em macaco”, explica Jesse, membro do Comitê de Medicina do Viajante da Sociedade Brasileira de Infectologia. O fato deveria ter sido motivo de maior atenção. “Mas os casos agora mostram que a cobertura vacinal não foi feita corretamente”, diz Jesse. Bandeira, coordenador do Comitê de Arboviroses da Sociedade Brasileira de Infectologia, considera a situação preocupante. E conta mais um fato que deveria ter sido, mas não foi, tratado com mais rigor. Em 2016, apesar de surtos em Luanda, capital de Angola, viajantes vindo do país africano entraram no Brasil sem precisar comprovar que haviam sido vacinados. Isso aconteceu por meses até que o governo brasileiro começasse a exigir o certificado.
O CICLO DA DOENÇA
A febre amarela é causada por um vírus transmitido por mosquitos
Há duas formas: a silvestre e a urbana
SILVESTRE
• Ocorre em áreas rurais
• O vírus é transmitido por mosquitos do gênero Haemagoggus e Sabethes
• O ciclo de contaminação envolve macacos infectados/mosquito/homem
URBANA
• Registrada nas cidades
• O homem é o único hospedeiro do vírus, transmitido pela picada do Aedes aegytpi, o mesmo que propaga os vírus da dengue, da chikungunya e da zika
SINTOMAS
• Febre
• Calafrios
• Dores de cabeça e nas costas
• Náusea e vômitos
EVOLUÇÃO
• É uma doença grave. Produz febre hemorrágica e pode levar à falência do fígado
• Cerca de 20% dos infectados desenvolverão a forma mais grave
PROTEÇÃO
• Vacina, indicada a quem reside ou irá viajar para áreas endêmicas
Fonte: Isto é