O Estado de Santa Catarina e o município de Agronômica são responsáveis pelos custos com remédios do morador Luis Carlos da Silva, 59 anos. A decisão do Grupo de Câmaras de Direito Público no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), afeta outros 30 mil catarinenses. Tratado como Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), dispositivo previsto no novo Código de Processo Civil (CPC), o caso deve ter repercussão vinculatória, servindo de parâmetro para decisões em outros processos semelhantes no Estado. De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, esses processos atingem cerca de R$ 160 milhões do orçamento da pasta por ano.
A partir da decisão dos desembargadores da Câmara de Direito Público do TJSC, outros processos relacionados ao mesmo tema devem ter o mesmo destino, com o Estado tendo que arcar com as custas ou fornecimento dos medicamentos para pacientes. No entanto, há uma diferença na obrigatoriedade dos pedidos. Se o remédio requisitado estiver padronizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o paciente precisa ter procurado antes da secretaria de Saúde municipal ou Estadual e não há a necessidade de comprovar falta de recursos.
Já nos casos de medicamentos fora da padronização do SUS, o cidadão precisa comprovar falta de condição financeira para arcar com o custeio do remédio, além de comprovar que o tratamento sobre a doença ofertado pelo poder público é ineficiente ou não existe. Em todos os casos, é preciso apresentar um pedido formal de um farmacêutico e um médico.
Este foi o primeiro caso de IRDR julgado no país. A medida é prevista no novo CPC, em vigor desde março deste ano. Para ser enquadrado como Incidente, o processo deve ser sobre um tema recorrente, pois a criação de uma jurisprudência pode ajudar na isonomia das ações.
O caso
Com histórico de problemas cardíacos, Luis Carlos descobriu que tinha diabetes no começo de 2014. Com o novo problema de saúde, passou a tomar 18 pílulas por dia. Na época, percebeu que os custos com remédios seriam altos, então foi orientado a acionar a Justiça para ter os medicamentos custeados pelo Estado. Menos de seis meses depois, conseguiu uma liminar favorável no TJSC e começou a buscar os remédios na Secretaria de Saúde de Agronômica. Desde então, reclama que o serviço de fornecimento falhou algumas vezes, obrigando ele a pagar cerca de R$ 400 por mês com as pílulas.
— Eu tomo seis remédios no começo do dia, seis às 12h e outros seis de noite. Esse processo eu entrei apenas para os medicamentos da diabetes, porque o custo é bem alto. Mesmo com a decisão liminar, nem sempre os remédios ficam disponíveis, então tenho que pagar — afirma Luis Carlos da Silva.
Judicialização da saúde
O secretário de Saúde João Paulo Kleinübing afirma que a decisão pode ajudar no planejamento da pasta. Ele afirma que a judicialização da saúde é um dos problemas financeiros mais delicados no setor. Só em processos movidos por pacientes em busca de medicamentos, alguns para doenças raras, o Estado gastaria cerca de R$ 160 milhões por ano.
— O que o TJSC fez foi estabelecer um critério, principalmente para os casos de remédios não padronizados pelo SUS, que representam a grande maioria dos processos sobre este tema.Isso já é um avanço. Nossa pasta tem orçamento de cerca de R$ 2 bilhões por ano, sendo a metade para folha de pagamento. Ou seja, os R$ 160 milhões que gastamos anualmente com judicialização chegam a quase 20% do orçamento. Isso precisa mudar — comenta Kleinübing.
ENTREVISTA: Desembargador Ronei Danielli
Relator do processo julgado pela Câmara de Direito Público do TJSC, o desembargador Ronei Danielli concedeu uma entrevista para explicar o impacto do IRDR julgado na quarta-feira:
DC – A decisão do TJSC, que seguiu seu voto como relator, estabelece uma diferença entre os tipos de medicamentos pedidos judicialmente. Por quê?
Abordamos duas teses jurídicas nesse processo. A primeira sobre os medicamentos que constam na lista relacionada pelo SUS. Quando houver uma situação dessa natureza, o juiz deve cobrar a necessidade da enfermidade ser atestada por um médico e a impossibilidade pela via administrativa. Esta última é por que em muitos casos o paciente procura a Justiça antes mesmo de ir ao posto de saúde. Além disso, não é preciso comprovar falta de recursos. Para medicamentos não padronizados, estabelecemos mais critérios. Há vários casos que em que o Estado oferece um medicamento mas o cidadão quer outro que afirma ser melhor. Para ter acesso a esse remédio, o paciente precisa comprovar que o tratamento não é suficientemente. Além disso, ele precisa comprovar que não tem dinheiro para bancar o tratamento. Constatamos que em 90% desses processos quem entra na Justiça não é uma pessoa carente, então a pessoa que realmente precisa poderia estar sendo prejudicada por quem pode pagar pelas despesas. Foi a forma que encontramos para estabelecer um critério mínimo. No final as contas, todos nós gostaríamos que a saúde fosse perfeita e pudesse atender a todos, mas o orçamento não comporta isso.
DC – O que torna esta decisão diferente dos demais casos?
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) é um dispositivo implementado pelo novo CPC, em vigor desde março deste ano. Até esta quarta-feira, o que poderia haver é casos semelhantes terem tratamento diferente. Com este IRDR, que é o primeiro do país, isso vai terminar. O efeito desta decisão é imediato, então a partir de agora, quando o processo na Justiça catarinense se tratar de uma matéria semelhante, a decisão terá que ser idêntica. Isso é obrigatório. Se algum juiz ou desembargador decidir contrariamente, a parte prejudicada pode entrar com uma reclamação no TJSC e a decisão será imediatamente cassada. Por isso, quando instauramos a IRDR, todos os processos semelhantes foram suspensos para aguardar a decisão de hoje.
DC – Quantos processos semelhantes tramitam no TJSC atualmente?
Tramitam quase 30 mil processos sobre pedidos de remédios e tratamento médico na jurisdição estadual. Por mês, pelo menos 800 novos casos são protocolados. Com essa decisão, acredito que haverá uma rapidez maior no julgamento dos casos. Isso ajuda o Judiciário e também o Executivo que poderão se planejar melhor.