A morte é uma condição inerente à vida. E, mesmo inegável, não há como se habituar, mesmo quando ela é parte da profissão, como na medicina. Lidar com a iminência da morte ou perda de um paciente atinge não só a estima do médico, mas sua concepção de onipotência – a expectativa de que é sempre possível salvar uma vida. E a situação nem sempre é bem tolerada.
“A nossa expectativa é sempre de prolongar a vida do paciente. Isso abala o humor, o dia a dia. É impossível ficar insensível à perda, por mais esperada que seja”, afirma Jair Segal, doutor em psiquiatria e coordenador da equipe de Saúde Mental do HPS de Porto Alegre. Segundo ele, o ser humano nunca está preparado para a morte, mesmo quando ela é inerente à profissão.
Como lidar, então, com a perda? De acordo com Segal, o melhor caminho é preparar-se desde o início da profissão, evitando o desapontamento ligado à onipotência médica. Um dos recursos para este preparo, segundo o psiquiatra, é a troca entre os colegas. “Conversar de forma aberta na equipe e debater são as melhores formas de aprender com as diferentes situações e controlar as expectativas”.
O cuidado, no entanto, deve ser redobrado quando o médico não consegue mais ter a dimensão adequada do que está passando. A situação, muito comum, exige atenção e busca por tratamentos psicoterápicos. Para Segal, o problema está na relutância humana em comunicar uma notícia ruim. “O médico, principalmente, tem dificuldade em admitir seus limites, inclusive no que diz respeito à capacidade de ajudar as pessoas. Se ele estiver tranquilo em relação às suas limitações, mais fácil conseguirá lidar com os diferentes cenários do cotidiano”.
Porém, todo o processo da perda torna-se mais delicado no momento de anunciar a morte para a família: alguns profissionais tomam uma postura de isolamento afetivo, considerando apenas o lado técnico da situação. Outros, abalam-se a ponto de não transmitirem a segurança de que foi feito o possível pelo paciente. De acordo com o psiquiatra, nenhuma das atitudes é recomendada. “O melhor é sempre ter um prognóstico bem reservado, com a tranquilidade de que se fez o máximo dentro do contexto e da realidade do tratamento”. Ele ainda completa: “é preciso ter claro que, alguns pacientes, por mais e melhor que se faça, não vão responder ao tratamento da maneira como se imagina”.
O principal, segundo Segal, é manter a honestidade com o paciente e a família desde o início do tratamento, reconhecendo as limitações, inclusive do ponto de vista técnico. “O médico deve ter a consciência de que seu trabalho é marcado por limites humanos e científicos. Infelizmente a situação não é a ideal, mas é a real”.
Fonte: Simers