Os institutos médico-legais (IMLs) estão presentes em todos os estados brasileiros e somam mais de 381 unidades: 35 em capitais, 29 em regiões metropolitanas e 317 no interior. Mas isso não significa acesso de qualidade da população aos seus serviços, que são perícias médico-legais em corpos com ou sem vida em diversos casos de importante repercussão legal, social e epidemiológica.
Uma quantidade alta de IMLs não significa serviços disponíveis para a população. Em números eles existem, há um local onde se fazem exames de medicina legal, mas muito provavelmente sem nenhum tipo de aparelhagem?, aponta Oscar Cirne, especialista em medicina legal e perícia médica e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
“O IML é o órgão oficial que realiza necropsias em casos de morte por causas externas, ou seja, que decorrem de lesão provocada por violência (homicídio, suicídio, acidente ou morte suspeita) e também de envolvidos em ocorrências da Polícia Civil. Seus serviços são fundamentais para a proteção dos direitos humanos e para o fortalecimento do arcabouço probatório e a consequente redução da impunidade”, de acordo com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), ao fazer um levantamento nacional sobre a perícia criminal no Brasil em 2012.
O diagnóstico da Senasp apontou vários pontos que merecem atenção, como carência de pessoal, de equipamentos e de capacitação. O processo de interiorização também é abordado e, segundo a Secretaria, está longe de seu potencial.
Há lacunas nas atividades de criminalística em estados como Roraima, Amazonas, Piauí, Alagoas e Sergipe. Em relação às atividades de medicina legal, há vazios no Amazonas (que tem IML somente na capital), Acre, Alagoas e Maranhão. Por isso, nesses locais sem IML, é frequente a autópsia feita por designação da autoridade policial ou judicial por perito legista ad hoc, “muitas vezes sem as mínimas condições físicas e técnicas de trabalho, podendo comprometer a sustentação das provas”, aponta Nemésio Tomasella de Oliveira, coordenador da Câmara Técnica de Medicina Legal e Perícia Médica do CFM.
Oliveira aponta ainda outros problemas que afetam os institutos, como a sobrecarga por perícia cível em detrimento da perícia legal, a falta de condições materiais para exames toxicológicos e anatomopatológicos (que gera atrasos na análise e na entrega de laudos e consecutivo impacto na conclusão do inquérito policial), além de falta de estrutura para atendimento a vítimas de violência sexual. A concentração de profissionais também é verificada: segundo o estudo da Senasp, o Brasil contava em 2011 com 2.279 médicos legistas – 45,9% concentrados no Sudeste e 44,76% nas capitais.
Relatos de problemas são generalizados
O noticiário nacional reflete os problemas apontados por especialistas e pela Senasp. Só em junho deste ano vários casos foram noticiados pelo País: em Maceió (AL), a Folha de S. Paulo noticiou ossadas humanas – de responsabilidade do IML – abandonadas no antigo prédio do instituto.
Em Minas Gerais, a pressão para que o IML realize trabalho de esclarecimento de mortes naturais (tipo de inadequação já denunciada pelo jornal Medicina na edição passada) está causando um imbróglio local, em que as principais vítimas são a população e os médicos do IML. Essa demanda prejudica a real função do instituto, que é realizar perícias criminais para auxiliar tecnicamente as autoridades policiais e judiciárias no esclarecimento de ilícitos penais.
No Rio de Janeiro, no início de junho corpos que chegavam ao IML da capital eram encaminhados para outras unidades (Campo Grande, Nova Iguaçu e Duque de Caxias), pois funcionários da limpeza terceirizados não estavam recebendo salário e o instituto estava sem limpeza. O jornal SBT Brasil mostrou vários casos de pessoas que tiveram de se deslocar quilômetros e aguardar dias para a liberação do corpo de um familiar.
Em Roraima, o CRM estadual (CRM-RR), em parceria com órgãos como o Ministério Público (MPRR), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Regional de Odontologia (CRO-RR), tem realizado várias fiscalizações no IML Dr. Benigno José de Oliveira, localizado em Boa Vista, nos últimos anos. Mas a maior parte das recomendações feitas à gestão não foi seguida.
“Muitas promessas foram feitas, inclusive de uma nova sede e de reformas estruturais, mas, quando voltamos [um ano depois], pouco ou quase nada mudou”, relata a presidente do CRM-RR Blenda Avelino.
O CRM acionou a Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde do MPRR e a Secretaria de Segurança Pública e já marcou novas reuniões para tentar pressionar as autoridades pela resolução dos problemas.
“São situações que devem ser denunciadas. Os Conselhos de Medicina sempre agirão para garantir o direito do cidadão”, disse o conselheiro Nemésio Tomasella.
Câmara Técnica do CFM quer melhorias na área
A Câmara Técnica de Medicina Legal e Perícia Médica do CFM trabalha para fortalecer a especialidade, e já contribuiu, em parceria com a Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas (ABMLPM), com a elaboração da Resolução CFM 2.056/2013, que estabelece critérios mínimos para o funcionamento de diversos serviços médicos, incluindo os IMLs.
Para o coordenador Nemésio Tomasella de Oliveira, o Brasil precisa superar as deficiências detectadas, pois os IMLs são órgãos de grande importância para a produção da prova pericial.
A conselheira Rosylane Rocha, especialista em medicina legal e perícia médica, afirma que “os IMLs do Brasil têm, em sua maioria, condições precárias de trabalho, com carência de equipamentos, de materiais e de pessoal capacitado. “Todavia”, segundo ela, “há inúmeras experiências exitosas que servem como exemplo para outros países, seja pela expertise de seus médicos legistas, seja pelo desenvolvimento de técnicas aprimoradas na prova pericial”.
Cyntia Gioconda Nascimento, diretora do IML Leonídio Ribeiro, em Brasília, destaca o papel desses órgãos diante do alto percentual de mortes por causas externas no Brasil – que há dez anos ocupam o terceiro lugar entre as principais causas.
“Se fizermos um recorte por faixa etária, veremos que, entre os jovens, essa é a principal causa no Brasil. Precisamos de ações de segurança pública e de respostas do Judiciário, sobretudo para combater a impunidade. O fortalecimento dos IMLs requer aprimoramento em gestão”, avalia Nascimento. Para a diretora, a nomeação de concursados e a interiorização devem ser prioridades.
Entre os problemas que afetam os órgãos está a carência de recursos humanos e de equipamentos Causas externas: No Brasil, há 381 IMLs que cuidam das mortes violentas, ou seja, 12% dos óbitos do País por ano.
Fonte: CFM