Em outubro de 2016, o Hospital das Clínicas, em São Paulo, realizou o primeiro transplante de útero da América Latina. Uma parceria entre a equipe de ginecologia e o grupo de transplante hepático do hospital possibilitou que uma paciente pudesse receber o órgão de uma doadora falecida.
A operação conduzida no Brasil é resultado de três anos de pesquisa e tomou como referência os únicos outros três transplantes do gênero já realizados no mundo.
Agora, a paciente que recebeu o útero precisa esperar um ano para que o órgão se adapte a seu corpo. Se tudo der certo, ela será capaz de engravidar por meio de inseminação artificial.
Transplante de útero no mundo
Em 2014, a Suécia foi o primeiro país do mundo a ver o nascimento de um bebê gestado em um útero transplantado. A cirurgia foi feita em 2013, e a paciente, de 36 anos, recebeu o útero de uma doadora viva de 61 anos.
Outras operações, na Turquia e nos Estados Unidos, também transplantaram úteros com sucesso – nesse caso, de doadoras falecidas. No entanto, a paciente turca teve um aborto espontâneo no quarto mês de gravidez, enquanto a paciente norte-americana teve complicações no órgão e precisou retirá-lo um ano depois da cirurgia.
Cuidados antes do transplante
O professor Luis Augusto Carneiro D’Albuquerque, um dos médicos responsáveis pela operação, disse em entrevista ao Nexo que a equipe responsável decidiu que o transplante seria feito com uma doadora falecida para minimizar os riscos.
Além disso, eles tomaram o cuidado de usar um órgão que já tivesse gestado filhos antes, um cuidado não observado nas operações feitas na Turquia e nos EUA. Desta forma, garantiram que o útero está em condições de gestar.
O processo para conduzir a operação de transplante de útero no Brasil começou em 2013 e reuniu equipes da Divisão de Clínica Ginecológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e do serviço de transplante hepático do HC.
Os médicos especializados em transplantes de fígado trouxeram o conhecimento em armazenamento, transplantação de órgãos e cuidados pós-operatórios para o time da ginecologia.
O processo todo durou três anos: pesquisa extensa, visitas a equipes médicas na Suécia, testes em ovelhas e retiradas experimentais de úteros de corpos no IML (Instituto Médico Legal).
Depois que o processo foi aperfeiçoado pela equipe, foi necessário aprovar o procedimento junto às áreas éticas do HC, da Faculdade de Medicina da USP e do Conselho Nacional de Ética e Pesquisa.
Então, uma paciente foi escolhida por uma equipe interdisciplinar do hospital, com base em critérios que levaram em conta a saúde da paciente e seu histórico de saúde familiar.
Como será a vida da paciente com o novo útero
Durante pelo menos um ano, a paciente passará por um tratamento hormonal para que não ovule e, em consequência, não menstrue.
D’Albuquerque explica que isso é feito para garantir a reconstituição dos tecidos do útero. Depois desse período, ela poderá tentar engravidar.
O procedimento, no entanto, é feito por fertilização in vitro e inseminação artificial. A paciente tem óvulos inseminados pelo marido armazenados para o procedimento.
A medicina ainda não tem experiência com o transplante de útero com ligação das trompas, o que possibilitaria que a paciente fosse fecundada e engravidasse; D’Albuquerque explica que, nessa fase experimental, o mais seguro é a fertilização in vitro.
Se a paciente conseguir gestar e dar a luz a um filho, será a primeira vez no mundo em que isso acontece num útero transplantado de uma doadora falecida.
O médico acredita que a operação, embora bastante delicada, vá ter um impacto gigantesco na vida de mulheres com dificuldades reprodutivas por problemas no útero.
Síndrome congênita
Aproximadamente uma em cada cinco mil mulheres nasce sem útero, uma condição chamada de Síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser. Portadoras da síndrome serão as principais beneficiadas pela popularização do transplante de útero.
No Brasil e no mundo, as cirurgias do tipo estão sendo conduzidas em caráter experimental. Isso significa que, nessa fase, a operação não está aberta ao público geral.
Os médicos envolvidos em pesquisas do tipo ao redor do mundo ainda estão observando resultados, reações do organismo e a adaptação do corpo ao novo orgão.
Fonte: Nexo Jornal