São cerca de mil ligações por dia que geram mais de 100 missões ambulatoriais diariamente, só no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) de Porto Alegre. Para atender às emergências de uma população de mais de 1,4 milhão de pessoas, há sete médicos disponíveis em cada turno – três nas ambulâncias e quatro na mesa reguladora. Para dar conta do trabalho, não basta o heróico trabalho da linha de frente: é preciso um processo complexo e um sistema inteligente que é gerenciado pelos médicos da mesa.
Quando alguém liga para o 192, a ligação cai em uma sala no quinto andar da sede do Samu, na Avenida Ipiranga em Porto Alegre. Nesta sala, quatro Médicos Reguladores, auxiliados por três Telefonistas Auxiliares em Regulação Médica (TARM) e dois Rádio Operadores, avaliam a gravidade do caso com base nas informações passadas, passam orientações para estabilização do paciente, encaminham as ambulâncias e gerenciam a restrição de vagas nos hospitais.
Triagem
Quando o telefone toca, um TARM atende para fazer a primeira parte da triagem. Ele verifica se é necessária a avaliação médica. Se for, registra o endereço, o nome e algumas informações básicas no software de gestão e encaminha para o Médico Regulador, que acessa as informações na tela do computador.
Ao Médico Regulador cabe avaliar a gravidade do caso e a necessidade de enviar uma ambulância. Afinal, são apenas 15 ambulâncias – 12 com equipe de suporte básico, com técnico de enfermagem e condutor, e três com equipe de suporte avançado, com médico, enfermeiro e condutor. Normalmente, as ligações são feitas por pessoas leigas em uma situação de estresse. Portanto, analisar a gravidade do caso não é uma tarefa fácil e uma decisão errada pode ser responsável por um paciente vir a óbito.
“Quando está em frente a um paciente, o médico já está suscetível ao erro. Imagine sem poder ver o que está acontecendo”, explica Dr. Pedro Proença Guerrieri, médico regulador do Samu. De acordo com Guerrieri, ao mesmo tempo em que as informações passadas por telefone são valiosas, não adianta insistir no questionário via telefone, pois não se pode perder tempo nos casos mais graves.
O médico ainda conta que, muitas vezes, as pessoas que estão com problema de saúde mas não necessitam de um atendimento de urgência ligam para o Samu sem necessidade, o que sobrecarrega o serviço. Em muitos casos, a ambulância acaba indo a um local em que há um caso sem gravidade, atrasando o atendimento de alguém que realmente necessitava do atendimento imediato.
Em alguns casos, a imagem das câmeras da EPTC e da Guarda Municipal auxiliam na avaliação. Apesar de não ser possível ver o paciente detalhadamente, a câmera dá uma noção do que está acontecendo no local – e permite até averiguar a veracidade do caso. Na centro sala de regulação, há monitores que mostram as imagens das câmeras, a geolocalização das ambulâncias e o status de cada caso em andamento.
Depois de avaliar o caso entre “não pertinente” (quando não é necessário enviar ambulância e o médico faz uma orientação pelo telefone), “médio” (quando é enviada uma ambulância de suporte básico) e “severo” (casos em que é enviada uma ambulância de suporte avançado), o atendimento segue para o Rádio Operador que monitora a localização de todas as ambulâncias e aciona a o carro mais próximo.
Atendimento
Na maior parte dos casos, a ambulância de suporte básico, com um condutor e um técnico de enfermagem, que atende o caso. Ao chegar no local, o técnico presta o primeiro atendimento e entra em contato com o médico regulador, que irá orientar o técnico como proceder. O médico precisa compreender o que está acontecendo apenas com as informações passadas pelo telefone. Os técnicos e condutores passam por um treinamento especializado ao entrar no Samu para conseguir fazer o trabalho junto do médico. “Eles são nossos olhos”, explica Dr. Guerrieri.
Algumas vezes, a equipe chega no local percebe que o caso é mais grave do que se imaginava e um médico é enviado ao local através de um VR (veículo rápido) – um carro utilizado para dar apoio ao suporte básico.
Após estabilizar o paciente, o médico é responsável por decidir para onde encaminhá-lo. Para escolher qual instituição irá receber o caso, é levado em consideração o perfil do local, a proximidade e a lotação. É bastante comum que os hospitais estejam com as emergências lotadas e não possam receber mais pacientes, porém, se todas as instituições disponíveis estiverem lotadas, cabe ao médico regulador decidir o destino e comunicar hospital. Após entregar o paciente à equipe da instituição, a equipe retorna à base.
O custo do trote
A missão do Samu já é complexa por si só: prestar serviço ambulatorial de emergência para qualquer um dos 1,4 milhão de cidadãos de Porto Alegre que necessitar, precisando lidar com as limitações de recursos e a necessidade tomar decisões rápidas que podem ser a diferença entre a vida e a morte dos pacientes.
Porém, além disso, a equipe também precisa lidar com os trotes. Quase 20% das ligações para o Samu são falsas ocorrências – são centenas por dia. Em alguns casos, é possível identificar o trote logo que se atende a ligação. Apesar da rápida identificação, estas ligações ocupam a linha telefônica que uma pessoa que corre de risco de vida pode estar precisando. Em casos mais raros, o trote chega a acionar uma ambulância, fazendo com que a equipe se desloque para atender um caso inexistente e deixe de atender um caso real.
Dr. Luciano Eifler, Coordenador do Núcleo de Educação em Urgências do SAMU, explica que trote é crime previsto em lei que deve ser punido com multa. Apesar de o Samu ter o registro de todos os telefones que originaram os trotes, ainda é difícil de fato acessar e multar as pessoas.
De acordo com Eifler, a principal arma para combater os trotes é a conscientização. A instituição criou o Samuzinho, um projeto que tenta evitar o trote infantil conscientizando as crianças da gravidade da ligação. “Nós levamos a ambulância na escola, mostramos como funciona e como o trote é grave. A ideia é ensinar cidadania”.
A ideia é diminuir o número de trotes e tentar desafogar um pouco o trabalho da equipe. Tudo para tentar deixar o trabalho do Samu um pouco menos pesado e mais eficiente para a população.
Fonte: Simers