As consequências sociais da discriminação e da intolerância não são uma novidade no Brasil, um país de muitos contrastes. O que nem sempre se fala é que o preconceito também pode influenciar a saúde de quem é exposto a ele repetidas vezes. Estudos para reforçar a teoria não faltam.
De acordo com pesquisa realizada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), quem sofre com a discriminação possui até 4,4 vezes mais chances de apresentar problemas como depressão, ansiedade e dificuldade na hora de se concentrar. Na lista de principais preconceitos sofridos foram citadas causas como: posição social, cor, raça, roupa e local de moradia.
Já um levantamento publicado no Jornal da Associação Americana de Saúde Pública mostra um elo possível entre racismo e a hipertensão. Foram analisados cinco mil voluntários negros, incluindo adultos e idosos. Do total, 64% das mulheres e 59,7% dos homens foram identificados com a doença. A análise também considerou as condições socioeconômicas dos participantes.
Dados de 2012 do Ministério da Saúde evidenciam que no Brasil a realidade é semelhante. Enquanto a taxa de mortalidade por conta da hipertensão é de 32,3 por cem mil habitantes para a população negra, ela cai para 17 por cem mil habitantes entre a branca.
A explicação está nos chamados múltiplos estressores. Além de uma condição biológica vulnerável ao desenvolvimento de problemas relacionados ao coração, alguns grupos étnicos ainda enfrentam a discriminação como agravante do quadro.
Para o psiquiatra Alceu Gomes Neto, há grande evidência científica da relação entre doenças clínicas e a exposição constante a situações que envolvem preconceito, bullying e assédio moral. A hipótese mais aceita para explicar essa ligação remete ao modelo indissociável da conexão mente e corpo.
“A discriminação gera estresse, que por sua vez produz respostas orgânicas, como a liberação de Cortisol. Este impacto, se continuado, tem como resultado elevação da pressão arterial, por exemplo. Ainda que não saibamos a exata etiologia da hipertensão, a ansiedade crônica é um dos fatores mais aceitos”, detalha.
Para ficar de olho
Sentimentos de vergonha e negação são frequentes entre pessoas que foram vítimas de preconceito. Em geral, não se trata de um comportamento adotado de um dia para o outro. Ele costuma ser resultado de uma sucessão de ocorrências em que a discriminação se faz presente, às vezes de modo muito sutil.
Neto lembra que sinais como isolamento social, irritabilidade e somatizações, que podem incluir problemas dermatológicos, dor de cabeça constante e mesmo insônia, devem ser levados em conta. Também é comum a presença de quadros de síndrome do pânico, desconfiança e depressão. Entre as crianças, a fobia escolar costuma ser um indício que merece atenção especial.
Para ele, a família tem um papel decisivo na maneira como o momento vai ser encarado. “Em geral, as pessoas que estão sob esta condição sentem-se muito acolhidas quando um familiar inicia a abordagem com uma postura compreensiva. O pior é negar o conflito ou usar expressões de desqualificação aos sintomas apresentados”, completa.
Como o médico pode ajudar
Mas e na hora da consulta, de que forma o médico pode auxiliar uma vítima de preconceito? O psiquiatra entende que é necessária uma preparação especial, já que os sinais podem ser bastante sutis e nem sempre aparecem como queixa principal.
“Os médicos devem investigar estas situações em grupos mais expostos, como população LGBT, negros, refugiados, pacientes que estiveram em regime prisional no passado”, aconselha. Mas o cuidado no auxílio não para por aí.
A atualização constante também ajuda a evitar posturas ou o uso de expressões que possam perpetuar o preconceito. Com a abordagem certa, fica mais fácil chegar até o paciente e ter a sua confiança para falar do problema que realmente o afeta – antes que a discriminação tenha um impacto ainda maior na saúde.
Fonte: Simers