Os atletas paralímpicos brasileiros que começam a competir nesta quinta, nos Jogos do Rio, são um retrato fiel das questões de saúde pública que tanto preocupam o Brasil. Num levantamento feito pelo GLOBO com dados do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) na América Latina, mostra o quanto a falta de acesso a saúde básica, principalmente ao pré-natal e condições ideais de parto, foram responsáveis pelas deficiências de quase 25% dos atletas paralímpicos do país.
Até 1990, quando praticamente toda essa delegação já era nascida, as complicações no parto representavam o quarto maior número de mortes por habitantes no país. Já as anomalias congênitas, na maioria das vezes ligadas a falhas no pré-natal, eram a décima causa de óbitos de brasileiros.
Dos 286 atletas convocados para a edição carioca dos Jogos Paralímpicos, 72 têm paralisia cerebral causada por má oxigenação ou por problemas decorrentes do parto ou por malformação não genética — esta última se refere às causas externas, não hereditárias e comumente ocorridas pela falta de acesso à saúde desde o começo da gravidez.
Foram excluídas dessa soma as doenças congênitas, as de causa desconhecidas, às que foram adquiridas pela mãe durante a gravidez e passadas ao bebê (como rubéola e toxoplasmose) e que não tem relação com a falta ou falha no pré-natal. Eventuais erros médicos também foram retirados dessa soma de 25%. Segundo especialistas, não entram nessa conta a chamada “geração talidomida”, prejudicada por um remédio que causava malformação de membros e só foi proibido na década de 70.
— Com esses dados é possível dizer que isso é um retrato de uma geração que não tinha acesso à saúde pública. Tem duas coisas importantes a serem pontuadas: a falta de acesso ao pré-natal e a ausência de investigação. A primeira faz com que a mãe, que muitas vezes não sabe da gravidez, não tome cuidados específicos como não tomar determinados medicamentos, fumar, beber, se expor a fatores externos. Além disso, há também uma não investigação profunda de problemas genéticos dessas crianças. Mas, a grande maioria é por problemas externos — explica Alysson Muotri, professor da Universidade da Califórnia (EUA), especialista em genética e síndromes do neurodesenvolvimento.
No começo dos anos 2000, segundo dados do Ministério da Saúde, apenas 57% das gestantes do país tinham acesso ao pré-natal ainda no primeiro trimestre. Hoje, com o um avanço nos tratamentos e do pré-natal (82% de cobertura no primeiro trimestre em 2014) o número tende a diminuir nos próximos ciclos olímpicos. Mas não é certo.
— Existem alguns casos que são genéticos, portanto nada tem a ver com pré-natal, que ainda não são estudados por falta de investigação profunda. E não são evitáveis — explica Muotri.
É o caso do nadador brasileiro Daniel Dias, dono de 15 medalhas paralímpicas, sendo dez delas de ouro. O paratleta nasceu com malformação nos braços e na perna e até hoje a causa não foi identificada.
Já a paralisia cerebral é causada em sua maioria por não acesso à condições ideais de parto. Caso de mais de 30 atletas brasileiros. Não é um problema exclusivo de regiões distantes dos grandes centros do país. Uma simples demora em fazer uma cesariana pode causar a lesão, que é irreversível.
— Esses dois problemas relativos ao nascimento costumam ser mais comum em países subdesenvolvidos, mas não é regra. Quanto mais precária a saúde, maior o número — afirma o professor.
Mas o Brasil evoluiu tanto em qualidade acesso aos cuidados quanto e de tratamento para esses deficientes. Em 2013, segundo a OMS, entre as 10 principais causas de morte no país não apareceu nem complicações neonatais decorrentes de problemas de parto, que na década de 1990 eram a quarta causa de mortes, e nem anomalias congênitas, que eram a décima causa.
Ainda nos problemas relacionada a malformação, agora, os cientistas observam de perto os bebê com microcefalia por causa do surto do zika. Ainda não se sabe em que condições os 1.857 recém-nascidos confirmados com microcefalia desde outubro de 2015 (ainda há 2.971 sendo investigados) vão sobreviver. Se tiveram condições, o esporte pode ser uma forma de reabilitação.
Lesão de trânsito: 18% da delegação
Essa geração paralímpica também aponta um problema de saúde já resolvido no país: a poliomelite. Erradicada desde a década de 90 o atleta paralímpico André Brasil, que tem 34 anos, é um dos últimos casos registrados. André está em em um grupo muito pequeno que contraí a doença pela própria vacina.
Se a saúde pública no Brasil fez avanços significativos nos últimos 30 anos, a taxa de acidentes de trânsito continuam sendo altas. Responsável pela lesão de 18% da delegação brasileira a mortalidade desceu no ranking de mortalidade (da 5ª maior causa de morte para a 8ª). Mas o número engana. Os números absolutos aumentaram, de 41.166 em 1990 para 46.311 em 2013.
Só até a abril deste ano, 16.518 pessoas sofreram amputações oriundas de acidentes de trânsito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), gerando um custo de R$ 21,7 milhões aos cofres públicos. Em todo o ano de 2015, foram 51.660 cirurgias desse tipo pelo SUS, correspondendo a um peso de R$ 67,7 milhões.
Fonte: O Globo