A possibilidade de realizar um procedimento cirúrgico para a diminuição do tamanho do estômago surgiu, há algumas décadas, como uma solução eficiente para quem sofre de sobrepeso e, principalmente, das doenças secundárias provocadas pela obesidade, que também é uma doença. Porém, hoje sabe-se que o sucesso da cirurgia bariátrica depende não somente da seriedade e experiência do médico cirurgião, mas também — e muito — da preparação do paciente para enfrentar uma mudança de seu estilo de vida. “A cirurgia é só o começo de um processo”, comenta a psicóloga Aída Marcondes Franques, especialista no acompanhamento de casos de obesidade.
Desde 2005 está em vigor uma resolução do Conselho Federal de Medicina que estabelece que os pacientes com indicação para cirurgia bariátrica devem ser atendidos, antes e depois do procedimento, por uma equipe interdisciplinar, que inclui, além do cirurgião, nutricionistas, psicólogos, anestesistas, fisioterapeutas e enfermeiros. E é exigida a elaboração de um laudo psicológico confirmando que a pessoa está apta a enfrentar o bisturi.
E, nessa linha, ainda há muita gente atrás apenas do laudo — e não dos benefícios que uma ajuda psicológica pode trazer para o sucesso do procedimento. “Se tivesse operado depois de um mês que a médica falou disso para mim, não teria dado certo. Não estava preparado”, é o que avalia o fotógrafo José Augusto Benedito, de 43 anos, o Guttão. Com seus 1,93m de altura e atuais 150 quilos, ele se prepara para enfrentar a cirurgia, marcada para o dia 5 de setembro, um ano e meio depois de ingressar no Programa de Acompanhamento e Orientação para a Cirurgia da Obesidade, do hospital da Unimed, em Sorocaba.
Hoje, ele admite que sua maneira de pensar, lá atrás, não ajudaria em nada no sucesso do procedimento. Prova disso é que ele passou meses, no ano passado, tentando emagrecer 10% do seu peso — 17 quilos, uma exigência para a autorização para a cirurgia –, mas sem conseguir. “Perdia dois quilos, ganhava dois.” Com o passar do tempo e ajuda dos profissionais, Guttão diz que aprendeu a lição de ver a comida como algo essencial para a vida, e não apenas como fonte do prazer da gula. E aí veio a recompensa: começou a conseguir perder peso e hoje a balança já aponta 20 quilos a menos. “A cabeça mudou.” E a nova forma de pensar e de se relacionar com os alimentos, ele avalia, o ajudarão a enfrentar o começo do processo que deve levá-lo a uma nova vida, com cerca de 90 quilos.
A esperança e o pé no chão. Emagrecimento não é milagroso
Quando um paciente começa a ver a cirurgia bariátrica como uma solução para a doença obesidade e os males físicos e psicológicos que ela provoca, um sentimento normalmente toma conta dessa pessoa: a esperança. “E é aí que o psicólogo deve ajudar a colocar os pés no chão”, diz Aída. E isso é fazê-lo refletir por que ele quer operar, em que a obesidade tanto o incomoda e, principalmente, evitar que ele esteja fazendo isso por estar sendo pressionado por alguém. “Já atendi mulher que estava sendo pressionada pelo marido. Mas ela dizia que se sentia bem daquele jeito. Nestes casos, não pode fazer. Sempre digo: se houver qualquer dúvida, mesmo que pequena, não faça”
Esse acompanhamento psicológico acaba sendo mais produtivo quanto mais tempo antes do procedimento começar. Porém, desde 2014 há um protocolo, aprovado pela Associação Brasileira de Cirurgia Bariátrica, que determina um mínimo de três consultas com um psicólogo antes da cirurgia. “Com este tempo profissionais experientes conseguem detectar os casos nos quais a operação deve, realmente, ser barrada — quando o paciente está passando por um transtorno psiquiátrico sem tratamento, sofre com consumo excessivo de álcool e drogas ou apresenta um déficit cognitivo que aponta uma dificuldade de entender as medidas que precisam ser tomadas para garantir a saúde depois da cirurgia, como passar um grande período só ingerindo líquidos, fazer a reposição de vitaminas pelo resto da vida, etc. O difícil, com poucos atendimentos, é garantir que o paciente continue depois da cirurgia, o que é muito importante”.
Mas se são poucos os casos de restrição, por que a ajuda psicológica é tão essencial nesse momento? Aída explica que é porque, a partir da cirurgia, a vida do paciente vai mudar, mas não de maneira milagrosa: para isso acontecer, muita coisa dependerá dele. “Não é só o tamanho do manequim, até o espaço físico que ele ocupa no mundo vai mudar”.
Segundo a psicóloga, os muitos casos já existentes de cirurgias bariátricas que não deram certo — ou seja, que as pessoas engordaram novamente, mesmo com o estômago reduzido de tamanho — estão, em grande parte, ligados ao fato do paciente não conseguir lidar com essa nova vida. “A maioria atribui a obesidade ao comer errado, muito, ser sedentário, ser uma característica hereditária, mas poucos definem, por exemplo, que a ansiedade é algo que faz comer mais. Isso sem contar os hormônios, as diversas causas orgânicas da obesidade. Isso vai continuar a existir, mesmo com o estômago menor. A obesidade é uma doença que não tem cura, tem controle”.
Nesta linha, a cirurgia é uma grande aliada do controle, porque faz a pessoa ter a sensação de saciedade comendo pouco. “Esse é o pulo do gato.” Mas a psicóloga alerta que controlar as emoções é tão importante quanto controlar a fome. Isso porque um paciente operado consegue, por exemplo, de pouco em pouco comer um bolo inteiro ou um saco de amendoim sozinho, num único dia, se quiser. “Não vai dar mais para ter compulsão, que é comer muito num curto espaço de tempo. Mas de pouquinho em pouquinho, cabe tudo“.
Educador físico e fotógrafo está prestes a fazer redução
“Sempre gostei muito de comer. Sei que depois da cirurgia vou continuar comendo o que gosto, mas não uma pizza inteira, mas meio pedaço”. Depois de um ano e meio recebendo orientação profissional e refletindo sobre a realização ou não da cirurgia, José Augusto, o Guttão, hoje se diz preparado. “Uma das coisas que quero fazer, depois de emagrecer, é poder sair para uma caminhada longa”.
Guttão conta que sempre foi grande, tanto de altura como em relação ao peso. Porém, quando jovem, chegou a perder 50 quilos ao começar a frequentar uma academia. Apaixonou-se por esse universo e foi cursar Educação Física. Mesmo bastante acima do peso, Guttão tinha uma disposição invejável: dava várias aulas seguidas, de modalidades que exigiam muito preparo físico. “O pessoal das academias começou a me conhecer e algumas pessoas me chamaram para trabalhar. Queriam isso, um professor gordo para dar aulas. Me exercitava muito, mas comia muito também. Nessa época tinha cerca de 130 quilos”.
A presença dele à frente das turmas era um estímulo, uma forma de mostrar que todo mundo poderia conseguir seguir aqueles passos, ter fôlego suficiente para chegar até o fim. Mas as articulações não aguentaram. Guttão desenvolveu problemas sérios nos joelhos e no tornozelo. “Meus alunos que perceberam que meu pé estava entortando”. O local parou de ser vascularizado e a determinação do médico foi uma notícia difícil de ouvir: ele tinha que parar com as aulas, imediatamente. Mudar de área foi difícil. Ele começou a trabalhar com a fotografia — algo que também gosta muito — e em alguns empregos administrativos. Sentado a maior parte do tempo, e comendo, Guttão viu a balança apontar 171 quilos. “Foi quando em março de 2015 minha médica me indicou começar no programa, para saber mais sobre a cirurgia bariátrica”.
Hoje, depois de passar anos sentindo muitas dores no tornozelo, Guttão comemora que os 20 quilos a menos já o estão deixando sem o incômodo, mesmo tendo parado com a medicação. Para o futuro, ele sonha com uma nova vida. Mesmo com a possibilidade de ver o problema articular solucionado, ele diz que não pensa mais em dar aulas. “Mas, com certeza, vou treinar com muita gente que eu conheci naquela época. Quero voltar a fazer uma aula de Body Attack.” O Guttão, que assinava suas fotografias, se tornará o Augusto, e o blog que mantém dando dicas de comidas rápidas e deliciosas, deu um tempo para voltar, em alguns meses, com um cardápio mais saudável. E, além de uma caminhada longa, já que hoje ele já começa a mancar só de andar um pouco mais, Guttão não vê a hora de poder comprar as roupas que gosta, mas não encontra do seu tamanho. “Agora eu aceitei que vou emagrecer.” E quando perguntam para ele porque ele não continua só com a dieta — pois já perdeu 20 quilos — ele responde: “vou operar pela minha saúde”.