Desde o início da epidemia de aids no Brasil, ainda na década de 1980, até junho do ano passado, o país já registrou 798.366 casos da doença, de acordo com dados do Boletim Epidemiológico HIV/AIDS de 2015. A 11ª edição do estudo mostra ainda que quase 40 mil novas ocorrências foram diagnosticadas e notificadas somente em 2014.
Os dados reafirmam o que apontam especialistas reunidos pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia). Em documento lançado no mês de julho, eles observam as falhas do modelo brasileiro de combate à doença e destacam que o país não é mais um exemplo a ser seguido.
A análise aborda também a relação dos efeitos da crise econômica com os investimentos em políticas de saúde e questiona como um país que registra a marca de 12 mil mortes por ano relacionadas ao vírus HIV ainda pode ser visto como referência na área.
Para Diego Rodrigues Falci, médico infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e vice-presidente da Sociedade Riograndense de Infectologia, o levantamento da Abia traz dados importantes para a compreensão dos grandes desafios que o Brasil tem pela frente em relação à aids.
“O país fez grandes esforços no passado, motivado pela mobilização da sociedade civil e atuando em diferentes frentes – prevenção, diagnóstico precoce, tratamento. Entretanto, ocorrem hoje novos fenômenos que necessitam uma readequação dessa resposta à epidemia, o que passa necessariamente pela reavaliação do que foi feito até agora e definição das prioridades”, aponta o médico.
Panorama brasileiro e a importância da prevenção
Atualmente, a estratégia adotada pelo governo brasileiro é a de focar em ações relacionadas ao tratamento. No entanto, Falci entende que a prevenção é fundamental para o enfrentamento da epidemia, que deve acontecer em uma dimensão muito mais ampla do que a proposta atualmente.
“A importância da prevenção reside precisamente em evitar novos casos de infecção pelo HIV, ampliando o acesso à informação, disponibilizando novas tecnologias e preservando ou aumentando a autonomia das pessoas”, pontua o infectologista.
Ainda segundo a 11ª edição do Boletim Epidemiológico HIV/AIDS, entre o início da epidemia e dezembro de 2014, já foram identificados 290.929 óbitos que tiveram a aids como causa básica. Não por acaso, um dos maiores desafios brasileiros é enfrentar a elevada taxa de letalidade da doença e frear o número de mortes.
O médico também destaca a importância de encontrar medidas que possam resolver a persistência que existe na transmissão materno-infantil. Nos dois casos, o enfrentamento vai muito além do acesso aos medicamentos e exige medidas mais abrangentes e planejadas.
“O Brasil necessita relembrar que a AIDS existe e ainda tem grande impacto na nossa população. Manter o que já foi feito, e avançar na abordagem dos novos desafios, exigem um aumento no financiamento ao setor e organização da resposta nos diferentes níveis de governo”, destaca Falci.
O caso do Rio Grande do Sul
Segundo o Boletim Epidemiológico HIV/AIDS de 2015, o ranking dos estados brasileiros com as maiores taxas de diagnóstico de aids mostra que o Rio Grande do Sul aparece na segunda colocação, atrás apenas do Amazonas. O valor é de 38,3 casos para cada 100 mil habitantes.
Porto Alegre, por sua vez, foi a capital com a maior taxa em 2014. O número foi de 94,2 casos para cada 100 mil habitantes, cinco vezes mais do que o índice brasileiro, de 19,7. O estado também apresenta o maior coeficiente de mortalidade padronizado de 2014.
Ao todo, foram 10,6 óbitos para cada 100 mil habitantes, o dobro do valor apresentado pelo Brasil no mesmo período. Por outro lado, vale registrar que o Rio Grande do Sul tem apresentado uma tendência de queda no índice ao longo da última década.
Para combater o preconceito
Mas o desafio de combater a aids não passa apenas por medidas que dependem de decisões governamentais. Também é fundamental eliminar o preconceito e evitar que a falta de informação faça novas vítimas. O termo grupo de risco, por exemplo, ainda é bastante comum e leva à estigmatização de grupos populacionais que já são, historicamente, vítimas de discriminação.
Além disso, também permite que as chances de contrair a doença sejam compreendidas de maneira errada. “Considerar homossexuais masculinos como pessoas do ‘grupo de risco’ só aumenta a discriminação e acentua conflitos latentes contra esse grupo na sociedade. Da mesma forma, heterossexuais masculinos acabam se expondo mais ao vírus HIV por entenderem que, independente de suas práticas, estão menos vulneráveis à infecção”, exemplifica o infectologista.
Hoje em dia, o termo mais correto é o de comportamento de risco, que enxerga as chances de contágio para qualquer pessoa, independente de grupo social ou gênero. O conceito faz referência às situações e contextos em que a exposição ao vírus é grande. É o caso das relações sexuais sem preservativo, para citar apenas a situação mais recorrente.
Fonte: Simers
Foto: G1