A proposta da equipe econômica do governo de instituir um teto para gastos públicos é “bem-vinda” mas dificilmente vai permitir – embora isso seja possível – que as despesas com saúde e educação continuem crescendo acima da inflação como nos últimos anos, segundo conclusão de um estudo de consultores do Senado.
Pela proposta, que ainda terá de ser aprovada pelo Congresso, os gastos do governo em um ano terão um limite para crescer: o índice de inflação do ano anterior. Em 2017, portanto, as despesas não poderiam aumentar além do IPCA (inflação oficial) registrado em 2016.
O governo pode tomar a decisão de investir acima da inflação em educação e saúde, desde que isso seja compensado com a redução dos repasses para outras áreas na mesma proporção.
Esse teto atinge todas as áreas e seria válido por 20 anos. O objetivo dela é tentar equilibrar as contas do governo, que vêm registrando déficits (despesas superiores à arrecadação com impostos) bilionários.
Os autores do estudo, os consultores Paulo Springer de Freitas e Francisco Schertel Ferreira Mendes, avaliam que, em teoria, a nova regra fiscal não implica redução de nenhum gasto social específico.
Entretanto, apontam eles, “na prática será muito difícil conseguir esse tipo de realocação” de recursos.
“A briga entre ministérios e grupos de pressão em geral terá como resultado provável a manutenção da participação relativa de cada despesa no gasto agregado”, afirmam.
Os consultores destacaram ainda o risco de o teto levar a impacto no valor de benefícios pagos via programas sociais neste momento de crise econômica e aumento do desemprego.
“Se o gasto com cada programa crescer de acordo com a inflação, o mais provável é que o valor individual do benefício cresça abaixo da inflação, pois o número de beneficiários tende a aumentar, especialmente em períodos de crise econômica”, dizem.
Ajuste necessário
Entretanto, eles também afirmam que o teto para gastos não seria necessariamente prejudicial para a população.
“A comparação relevante não é entre o que ocorreu no passado e o que ocorrerá no futuro, no âmbito do nova regra fiscal. A comparação deve ser feita entre o que ocorrerá se houver [o teto] e o que ocorrerá na hipótese de se manter a atual política fiscal. Se o PIB continuar a cair, cenário provável para 2016 e, na ausência de reformas, também para 2017, as receitas governamentais devem cair, implicando menos gastos para educação e saúde”, afirmam os consultores.
Os dois argumentam ainda que, se a economia se deteriorar a ponto de a inflação se acelerar, será “igualmente difícil manter o valor real dos benefícios sociais”.
“Por fim, sem o ajuste das contas públicas, o país não voltará a crescer de forma significativa, o que limitará a capacidade de concessão de benefícios sociais no futuro.”
Gastos com saúde e educação
Atualmente, a Constituição vincula os gastos com saúde e educação à receita líquida do Governo Federal.
O gasto com saúde precisa obedecer ao percentual mínimo de 13,2% da receita líquida. Os estados e o Distrito Federal devem investir o mínimo de 12% de suas receitas, enquanto os municípios devem aplicar pelo menos 15%.
Com educação, a Constituição prevê um gasto mínimo de 25% das receitas tributárias de estados e municípios – incluídos os recursos recebidos por transferências entre governos – e de 18% dos impostos federais, já descontadas as transferências para estados e municípios.
Com esse modelo, de acordo com dados do Tesouro Nacional, os gastos com saúde registraram, na média, uma alta real (acima da inflação) de 6,25% ao ano entre 2003 e 2015.
Já as despesas com educação tiveram um crescimento de 8,5% ao ano nesse mesmo período. O indicador considerado aqui é o Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI).
Especialistas criticam o teto
Na avaliação do vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Nilton Pereira Junior, o Brasil já gasta pouco com saúde na comparação com outros países. Com o novo teto para gastos públicos, avalia, tende a gastar menos ainda.
Segundo ele, os gastos com saúde do governo federal, estados e municípios somam, atualmente, cerca de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB), bem abaixo de outras nações, como Reino Unido,Espanha, Portugal, Suécia e Canadá, com despesas acima de 7% do PIB.
“A regra que todos os países desenvolvidos usam é não cortar direitos sociais. O corte de recursos para politicas públicas, principalmente saúde e educação, impacta a vida das pessoas no curto prazo e no médio prazo também”, declarou Pereira Junior ao G1.
De acordo com o especialista, o novo teto para gastos públicos tende a gerar fechamento de leitos em hospitais, falta de recursos para pagar funcionários, falta de medicamentos e de vacinas.
“O impacto é imediato. Hoje já existe desfinanciamento do sistema de saúde por parte do ministério, com fechamento de serviços”, afirmou ele.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) tem a mesma avaliação. De acordo com nota técnica da entidade, a proposta de fixar teto para os gastos públicos representa “grave retrocesso para os direitos sociais inscritos na Constituição Federal” e, se aprovada pelo Legistlativo, representará “desmonte do SUS [Sistema Único de Saúde] e da Seguridade Social, em flagrante desrespeito à luta do Movimento de Reforma Sanitária e das conquistas sociais inscritas na Carta Magna [Constituição] de 1988”.
O CNS avalia que, se o teto já estivesse valendo, o setor teria deixado de receber quase R$ 315 bilhões (valores corrigidos pela inflação) entre 2003 e 2015.
“Alertamos para o fato de que cerca de dois terços do orçamento do Ministério da Saúde são transferências para que estados e municípios financiem despesas com as UBS (Unidades Básicas de Saúde), hospitais, exames laboratoriais e de imagens, medicamentos, vigilância epidemiológica e sanitária, entre outros”, afirmou.
Educação
Celina Martins Ramalho, coordenadora da Comissão de Educação do Conselho Federal de Economia (Cofecon), avaliou que é perigosa a limitação de gastos públicos para esse setor, em um momento no qual é importante a formação de capital humano para o crescimento da economia.
“Em termos de orçamento, uma restrição seria um passo atrás bastante ruim”, declarou a especialista.
Segundo ela, ainda há um déficit de educação no país, uma “demanda reprimida”. Celina Ramalho observou também que ainadimplência no ensino superior está crescendo devido ao aumento do desemprego, o que mostra que parte da sociedade já não consegue arcar com seus estudos. “O ideal seria viabilizar valores mais baixos [para os estudantes]”, disse.
Na semana passada, o ministro da Educação, Mendonça Filho, reconheceu, no Congresso, os limites orçamentários do setor. E colocou em discussão temas que, segundo ele, são “nevrálgicos” como formação de professores, alfabetização e salário dos profissionais da área.
“Não há espaço para redução de recursos na Educação. Os recursos atuais não são suficientes para uma transformação verdadeira. Estarei na mesma luta de todos que se mobilizam com esta mesma posição”, afirmou Mendonça Filho na ocasião.
Fonte: G1