A pequena indígena Alciane Saw Munduruku, de apenas 10 meses, estava internada no Hospital de Clínicas Gaspar Vianna desde o dia 14 de junho para tratar uma cardiopatia. Ela não conseguia dormir no leito, e o choro também colocava em risco o sono dos vizinhos de UTI. Foi quando a técnica em enfermagem Deusiane Costa teve a iniciativa de improvisar uma pequena rede com um lençol armado sobre a cama. Não demorou muito para Alciane se acalmar, relembrar o conforto de casa e dormir. O ato é um dos exemplos do tratamento humanizado oferecido pelos hospitais estaduais.
Alciane é natural do município de Jacareacanga, no oeste do Pará, a quase um dia de distância da capital. Ela estava internada em Santarém quando foi transferida para o Hospital de Clínicas, referência em cardiologia infantil no Estado. A bebê apresentava cardiopatia congênita cianótica grave e corria risco de vida. Após receber os procedimentos necessários, foi estabilizada e em três dias estava fora de perigo.
Os pais, João Saw Munduruku e Alnísia Akai Munduruku, comemoram a melhora da filha, que retornará ao hospital em um ano para uma nova cirurgia no coração. “Ficamos felizes de ver como ela foi tratada. Passamos quase um mês em Santarém e conseguimos uma vaga aqui. Foi muito bom ver a minha filha na rede e o cuidado das enfermeiras com ela”, conta João, que em breve enfrentará as quase 24 horas de jornada até a aldeia em Jacareacanga.
Prática
A criança indígena não foi a primeira a ser atendida desta forma e dormir em uma pequena rede. Outras tiveram o mesmo cuidado e receberam, além das medicações, máquinas, agulhas e soros, carinho e empatia da equipe do hospital. “Essa abordagem é feita por toda a equipe da UTI, que é formada por médicos, enfermeiros, técnicos e fisioterapeutas, entre outros. Nós nos preocupamos – quando há condições – em tirar a criança do leito, caminhar com ela, conversar, fazê-la rir, brincar, criar jogos que estimulem a memória e a comunicação. Ao final temos a diminuição do estresse, do trauma de estar internado e afastado dos pais. A criança consegue se sentir bem, responde mais rápido ao tratamento e fica menos tempo internada”, explica a pediatra Maria José Leão Lima.
No caso da criança indígena, a funcionária teve sensibilidade e percebeu o motivo do desconforto, colocando-a na rede sabendo que essa era a maneira tradicional da pequena Munduruku dormir. Entre um procedimento e outro, Deusiane se dedica também a acompanhar, brincar e desenhar com outras crianças que estão internadas nos oito leitos da UTI. “Nos tratamentos sempre imaginando como nós gostaríamos de ser tratados ou como gostaríamos que um filho nosso fosse tratado. Somos todas um pouco mães deles aqui. Isso se estende a todos da equipe. A gente acaba se vendo um pouquinho em cada paciente e se dedica sempre para fazer o melhor”, explica a enfermeira.
Adaptação
Para dar a atenção adequada às crianças é necessário levar em consideração as individualidades de cada uma. É importante saber, por exemplo, as regiões de onde elas vieram e conhecer os pais e a cultura para oferecer o melhor atendimento. Algumas são muito tímidas, não falam ou falam outra língua (como é o caso dos indígenas) e há ainda aquelas que têm muita dificuldade em se expressar. Nesse sentido, o setor de psicologia trabalha junto à equipe médica para abordar de maneira mais precisa cada caso.
“É necessário levarmos em consideração a individualidade de cada criança que chega. Amenizar os efeitos negativos, trabalhar o medo, a fantasia e a capacidade de se comunicar, que é melhorada com jogos e cultura. Fizemos até mesmo um campeonato de jogo da memória para estimular as crianças. Muitas chegam com medo, sentem-se abandonadas porque os pais não estão na UTI, mas depois elas se sentem acolhidas e algumas gostam tanto que não querem ir para enfermaria para não se afastar da equipe”, relata a psicóloga Flávia Vieira.
Para que o trabalho se desenvolva em sintonia com toda a equipe é necessária a integração dos vários setores que fazem o atendimento dos oito leitos UTI e 20 da enfermaria. “Nós nos esforçamos para fazer o melhor pelas crianças e, para isso, a integração e o diálogo da equipe é fundamental, pois ninguém aqui trabalha sozinho. Por exemplo, após a cirurgia cardíaca, quando a criança começa a se movimentar, já conversamos com a fisioterapia para fazemos atividades fora do leito, criamos jogos e, assim, além da melhora física, vemos o bem estar das crianças a cada brincadeira e sorriso”, detalha a chefe de Enfermagem do hospital, Dine de Pádua.
A ideia de usar redes para amenizar o desconforto durante a internação também foi adotada no Hospital Regional Público do Marajó, em Breves, onde os acompanhantes dos pacientes internados podem se acomodar nas redes instaladas nos quartos das clínicas integradas. No caso, mães e filhos podem compartilhar, por exemplo, o momento da amamentação durante o embalo suave que lembra um momento de descanso em casa.
O projeto foi implantado pelo Grupo de Trabalho de Humanização, que há um mês foi implantado no quarto da Pediatria. A ideia deixa o ambiente mais humanizado durante a estadia no hospital e leva em consideração a realidade da região, pois as redes são culturalmente o modo mais usado pelos ribeirinhos para descansar e dormir.
Fonte: Agência Pará