A produção de um medicamento 100% nacional para o combate a hepatite. Esse é um dos pedidos de manifesto divulgado na quinta-feira, 28 de julho, que foi o Dia Mundial de Luta Contra as Hepatites Virais, pelo Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI).
“A vida das pessoas infectadas pela hepatite C não é mais ameaçada apenas pelo vírus, mas também pela ganância das empresas que cobram caro pelos medicamentos que podem curar a doença em quase 100% dos casos e em apenas 12 semanas. Com a chegada da cura há quase 3 anos, o que vemos não é a superação da epidemia e sim o aprofundamento de uma crise de falta de acesso a medicamentos. É a morte do ideal de universalidade no acesso ao tratamento”, diz o texto intitulado “Resposta à Hepatite C: uma epidemia de preços altos que viola o direito à cura”.
Em entrevista à revista Carta Capital, em janeiro desse ano, o médico infectologista Esper Kallas, professor livre-docente da USP, falou da eficácia dos novos tratamentos, mas lembrou que o seu acesso ainda é restrito. “O custo dos novos remédios é excessivo e há muita reclamação e protestos, tanto no Brasil quanto nos países desenvolvidos”, disse.
Além do apoio a produção de um remédio 100% nacional, o manifesto ainda exige que o Ministério da Saúde utilize de “todas as prerrogativas e medidas legais necessárias” para reduzir o preço desse tratamento no Brasil.
“Conforme dados do Ministério da Saúde, 26.800 pessoas foram tratadas no Brasil com os novos medicamentos. Apenas 1,6% dos 1,6 milhão de infectados no país. Neste ritmo, precisaremos de 716 meses para tratar a todos. Ou seja, podemos sonhar com fim da Hepatite C no Brasil por volta de 2075”, diz o texto.
A seguir, o manifesto na íntegra:
Resposta à Hepatite C: Uma epidemia de preços altos que viola o direito à cura
Quinta-feira, 28 de julho, dia mundial de luta contra as hepatites virais, é um dia de luto. A vida das pessoas infectadas pela hepatite C não é mais ameaçada apenas pelo vírus, mas também pela ganância das empresas que cobram caro pelos medicamentos que podem curar a doença em quase 100% dos casos e em apenas 12 semanas. Com a chegada da cura há quase 3 nanos, o que vemos não é a superação da epidemia e sim o aprofundamento de uma crise de falta de acesso a medicamentos. É a morte do ideal de universalidade no acesso ao tratamento. É a morte do ideal de distribuição dos frutos do progresso científico. É a morte do bom-senso e da ética na Indústria farmacêutica. É a morte anunciada do futuro de milhões de pessoas. Um velório quádruplo que faz refletir sobre como estamos vulneráveis a essa e outras epidemias.
Um estudo recente demonstra que as hepatites matam cerca de 1,4 milhão por ano, se equiparando à Aids e à Tuberculose como uma das principais causas de morte no mundo. Sozinha, a Hepatite C mata cerca de 700 mil pessoas por ano, 3 mil delas no Brasil. A OMS recomenda que todos os pacientes sejam tratados, mas nenhum país consegue pagar a conta. No Brasil, onde o acesso universal a medicamentos é uma obrigação constitucional, o tratamento é autorizado apenas para pacientes em estado mais grave ou em maior risco de vida. Esta violação da constituição brasileira é provocada pelos preços abusivos e imorais dos medicamentos. Como resultado, milhares de cidadãos tem que esperar a degradação de seus corpos para terem seu direito à saúde respeitado. Só existe acesso universal à agonia e à incerteza, não aos direitos.
Conforme dados do Ministério da Saúde, 26.800 pessoas foram tratadas no Brasil com os novos medicamentos. Apenas 1,6% dos 1,6 milhão de infectados no país. Neste ritmo, precisaremos de 716 meses para tratar a todos. Ou seja, podemos sonhar com fim da Hepatite C no Brasil por volta de 2075. Mas este cenário poderia ser radicalmente diferente. Os medicamentos que curam a hepatite C, especialmente o sofosbuvir, são muito baratos de produzir, conforme estudos comprovam. Em sua primeira compra, o Brasil pagou US$6900 pelo tratamento de 12 semanas com sofosbuvir. Mas já existem genéricos por preços acessíveis (US$300 o tratamento de 12 semanas) que se praticados no Brasil permitiriam, em tese, tratar 1,6 milhão de infectados até 2019 com o mesmo recurso anual gasto atualmente.
O que determinará qual cenário iremos viver é a vontade política aplicada em remover as barreiras que existem hoje. A primeira é o preço. Não é aceitável pagar mais do que 1.000 dólares pelo tratamento completo com sofosbuvir. Uma investigação do senado americano concluiu que os preços altos não tem nenhuma relação com custos de pesquisa, são exclusivamente focados em “maximizar lucros sem se preocupar com as consequências humanas”. A segunda barreira são as patentes, que permitem a manutenção de preços altos e excludentes, pois bloqueiam a concorrência com genéricos. No Brasil a patente está sob análise. É fundamental que os órgãos examinadores rejeitem a patente com base no fato de ser uma tentativa de apropriação de conhecimentos já em domínio público.
Sem essa vontade política, os únicos que terão algo a comemorar na data de hoje serão o vírus, que terá ainda muitos anos de vida para se espalhar destruindo vidas e famílias; e as corporações farmacêuticas, que enchem o bolso de dinheiro enquanto destroem sistemas de saúde pública com seus preços injustos e levam seus lucros bilionários para os paraísos fiscais.
Convocamos a todos aqueles comprometidos com a saúde pública, com o interesse público, com a justiça e com os direitos humanos a se unirem ao grito daqueles que não aceitam a situação acima descrita, na qual abuso de poder econômico resulta em exclusão, sofrimento e morte para milhões. Com a chegada de medicamentos que curam a doença, o vírus é que deveria estar com os dias contados, não as pessoas nem os sistemas públicos de saúde.
Exigimos:
Do Ministério da Saúde:
Redução do preço do tratamento no Brasil ao nível dos preços mais baixos praticados no mundo (US $300), utilizando todas as prerrogativas e medidas legais necessárias de proteção ao direito à saúde e à sustentabilidade do SUS.
Revisão do protocolo, garantindo a ampliação da oferta de tratamento para TODOS os infectados, conforme determina o princípio da universalidade do SUS e conforme recomenda a OMS.
Apoio à iniciativa em curso de produção de um genérico 100% nacional.
Da Empresa Gilead:
Desistência imediata do patenteamento do sofosbuvir, se abstendo de apelações na justiça.
Redução do preço do sofosbuvir no Brasil ao mesmo patamar dos preços cobrados na Índia (US$ 500).
Da Anvisa e do INPI:
Rejeição imediata dos pedidos de patente para o medicamento sofosbuvir, com base nos argumentos de falta de novidade e de atividade inventiva.
Das secretarias de saúde:
Cumprimento de suas atribuições nos níveis de média e alta complexidade, inclusive ampliando a oferta de diagnóstico por meio da aquisição de equipamentos como a elastografia hepática (FIBROSCAN ) e sua distribuição pelos serviços de referência dos estados de forma que não mais tenhamos um quadro de demanda reprimida no Brasil.
Aumento das iniciativas de busca ativa e compromisso com atenção e cuidado integral e de qualidade para os pacientes em tratamento.
Da Frente Parlamentar Mista de Hepatites Virais:
Apresentação de um PL tornando obrigatória a oferta de testagem sorológica das Hepatites B e C em toda rede de saúde pública e privada do país.
Um debate público sobre abusos de preço praticados no Brasil em torno dos novos medicamentos de hepatite C.
Atuação em prol da aprovação de projetos de lei na Câmara e no Senado que visam reformar a lei de patentes de modo a inserir e fortalecer mecanismos de proteção do interesse público e excluir dispositivos que permitem expansão de direitos de exclusividade e extrapolam as regras definidas no Acordo TRIPS, da Organização Mundial do Comércio.
Fonte: Simesp