Morreu na segunda-feira, 20 de junho, o médico Eduardo Novaes Medrado Santos. O profissional participou da fundação do Sindicato dos Médicos no Estado do Tocantins (Simed-TO).
O Simed-TO publicou uma nota lamentando a perda. Na nota, a presidente do Simed-TO, Janice painknow, declara que a capacidade do médico de decidir de forma rápida ao conceder ou negar qualquer demanda foi uma de suas marcas como gestor estadual no Tocantins e municipal em Araguaína. A presidente ainda expressou suas condolências em nome do Sindicato, à esposa de Medrado, a médica anestesiologista Esmeralda e aos filhos Eduardo, Fernando, Helena e Sérgio.
Conheça o perfil de Eduardo Medrado (CRM-TO 3)
Baiano de Salvador, o médico Eduardo Medrado morava em Barreiras, na divisa com o então nordeste goiano, quando decidiu se mudar para Araguaína, no norte do Estado, em dezembro de 1982.
Formado médico pela Universidade Federal da Bahia dez anos antes, possuía uma fazenda em Taguatinga, município que mais tarde ficaria na porção que pertenceria ao Estado do Tocantins, criado a partir da divisão de Goiás.
Na graduação, conhecera a também estudante de medicina Esmeralda, com quem se casou no sexto ano do curso. “Mas aí nós fomos numa festa, começamos a dançar e essa dança nós estamos dançando até hoje, 40 e tantos anos”, costumava lembrar o médico.
Antes de embrenhar-se em terras tocantinas, Medrado deixou a Bahia com a esposa para a residência médica e pós-graduação em Brasília. Ele em cirurgia-geral; ela, em anestesia. Com a descoberta de que eram casados entre si, Esmeralda teve de deixar Brasília e concluir a residência em Goiânia. Encontravam-se de quinze em quinze dias na folga dele na Capital Federal.
Como médico especialista em cirurgia geral, atuou nos estados de Mato Grosso e Rondônia. Depois, regressou a Salvador e finalmente fixou em Barreiras, onde a medicina lhe consumiu sete anos de trabalho, até a chama da política alçá-lo à disputa pela prefeitura da cidade.
Disputou com o ex-prefeito Baltazarino Araújo Andrade. Andrade era famoso por ter administrado a cidade na década de 1970. Aliado ao então governador Antônio Carlos Magalhães e ao deputado federal Luís Eduardo Magalhães, ganharia a prefeitura por mais dois mandatos, na década de 1980. Faria sucessores até 1992 e se elegeria deputado estadual para o mandato de 1994 a 1998.
A derrota para o grupo de Antônio Magalhães leva Eduardo a se decepcionar com a região. Em seu entendimento, se perdesse não prestava para prefeito e, também, não prestaria para médico. Seu destino foi Araguaína.
Filho de Lourival Medrado Novaes e Helena Novaes Santos, Eduardo vem de uma família culta na Bahia. De uma prole de seis irmãos, apenas ele seguiria a carreira médica. Os irmãos seguiriam a engenharia civil, a docência universitária, em matemática, e as ciências contábeis. A mãe chegou a deixar um livro de poesia publicado e, no Tocantins, dá nome a uma unidade de saúde em Taguatinga, sudeste do Tocantins. O pai sempre foi fazendeiro, na região de Itaberaba, a quase 300 quilômetros de Salvador.
Dali, Eduardo embarcava em um trem para a capital onde estudou nos colégios Severino Vieira e Colégio Central da Bahia, instituição onde também estudaram baianos ilustres como o cineasta Glauber Rocha, o artista José Júlio de Calasans Neto e o governador, senador e também médico, Antônio Carlos Peixoto de Magalhães, formado na mesma UFBA que Eduardo Medrado. Antes, chegou a enveredar para a engenharia ao ingressar no curso de mineração para extração de petróleo, com possibilidade de atuar na Petrobrás, mas desistiu para seguir o sonho de concluir medicina.
Na UFBA, participou do movimento estudantil em torno do Partido Operário Comunista (POC). Confessava ter sido contemporâneo na mesma célula comunista que o militante Carlos Marighela e traz nas lembranças da militância greves e manifestações em Salvador. Incluindo fugas pelo famoso túnel que liga uma Catedral (Basílica Nossa Senhora da Conceição da Praia) fixada ao lado da faculdade, com a Conceição da Praia.
Com essa bagagem de militante e político, Eduardo embarcou a mudança em um caminhão do pai e se mudou com a esposa, dois filhos e um sobrinho que perdera a mãe ao nascer e seria criado por eles.
Mantinha-se articulado com os médicos goianos chegando a ser escolhido vice-presidente da Associação Médica de Goiás. Nesta condição, representava os colegas da região que se tornou o Estado do Tocantins com a promulgação da Constituição Federal em 1988 e chegou a participar da implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), uma deliberação da 8ª Conferência Nacional de Saúde que preparou a fixação do SUS (Sistema Único de Saúde) e as bases para inserir uma seção específica para a Saúde na Constituição brasileira 1988.
Com a criação do Estado, assumiu a diretoria regional da Secretaria Estadual da Saúde em Araguaína, na gestão do primeiro secretário, o médico Antônio Coelho. Com a saída do titular, Medrado assume a pasta até o final do primeiro mandato do então governador José Wilson Siqueira Campos, encerrado em 1990. Deixou o cargo com a eleição do então governador Moisés Avelino, que convidou o médico e deputado federal e também médico Merval Pimenta para a pasta.
Retornaria em 1995 ao comando da Secretaria Estadual da Saúde, para uma gestão de oito anos, com a volta de Siqueira Campos ao poder, após a vitória, com 58,78% dos votos válidos, sobre João Cruz (36,57% dos votos) nas eleições de 1994.
Na passagem pela pasta, conheceu o então presidente do SIMED-TO Laudelino Pinheiro, com quem manteve ótimo relacionamento. Medrado pediu ajuda do sindicalista para que assumisse o Banco de Sangue em Gurupi. Começou aí a estrutura do Hemocentro, hoje ativo em Palmas.
Outra política incentivada pelo médico foi a mudança na gestão das AIHs (Autorização de Internação Hospitalar). As AIHS, em todo o Brasil naquele tempo, pertenciam aos hospitais particulares, em sua grande parte repassada pelos políticos, em cotas.
Inspirado no estado do Piauí, Medrado instituiu a unidade de AIH pública. As autorizações passaram a ser de competência do secretário de Saúde. Era ele quem as distribuía. Ao regulamentar essa distribuição, Medrado baixou uma portaria descredenciando todos os hospitais daquelas AIHs.
No interior no Estado, Medrado enviou servidores infiltrados para checar como eram lançadas as AIHs. Em um dos hospitais, um relatório apontava uma fraude singela: o diretor local apanhava as fichas do INAMPS em feiras, onde copiava os dados pessoais e fazia as AIHs.
Com a medida, vários hospitais fecharam. Outros foram adquiridos pelo Estado e transformados em hospitais comunitários. Mais tarde, transformados em hospitais regionais e de doenças tropicais, formariam a rede hospitalar pública do Tocantins. Alguns foram comprados, pois naquele tempo era época de implantação do Estado e não se tinha nenhum hospital público.
Em um dos hospitais comprados, o Santa Lúcia, de Gurupi, enfrentou resistência na implantação do modelo público a partir da contratação de médicos cubanos. Uma das ausências era de ortopedista. Nenhum ortopedista queria atuar em Gurupi. Medrado colocou os cubanos. Em retaliação, ninguém queria assumir a direção do Hospital de Gurupi. Para contornar o impasse, Medrado passou a ser secretário e diretor do hospital. Todas as noites, saía de Palmas e dormia em Gurupi para poder atuar como diretor.
Também fechou laboratórios que não atendiam aos requisitos legais. Acionou a Vigilância Sanitária para fiscalizar os laboratórios e os fez fecharem. Medrado chegou a estimar que havia fechado entre 70 e 80 laboratórios.
A vinda dos cubanos para o Tocantins na década de 1990 sempre foi apontada por ele como um de seus atos mais ousados como secretário. E o que lhe renderia mais embaraços. Medrado visitou Cuba e se comprometeu a apoiar os médicos. Ele explicava que o país se encontrava com situação financeira complicada após o afastamento da Rússia. E nessa visita teria constatado que alguns médicos moravam em apartamentos minúsculos que sequer a descarga dos sanitários funcionava e ainda precisavam levar água na cabeça andares acima.
Medrado garantia que na época, os médicos cubanos atuaram legalizados graças ao decreto do presidente Médici. Tratava-se da Convenção Regional sobre o Reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino Superior na América Latina e no Caribe assinada em 1974. O tratado chegou a ser validado pelo Congresso Nacional em 1977 e acabou revogada em 1999, quando os cubanos já atuavam no Tocantins.
Medrado distribuiu os especialistas por cidades do interior. Dos mais de 100 médicos que atuaram no Tocantins – Medrado não quantificava precisamente o total – mais de uma dezena validou o diploma e seguiu no Estado.
Para comandar os hospitais comunitários trouxe, conforme aprendera na literatura enviada por um pupilo, da Inglaterra, uma entidade filantrópica: a São Camilo, que gerenciou os hospitais do Tocantins.
Contra os cubanos ergueram-se as entidades médicas. O CRM abriu 22 processos éticos e ajuizou uma ação na Justiça Federal. Na decisão, o juiz Marcelo Albernaz concedeu liminar ao conselho e proibiu que os médicos atuassem no Estado.
Outra iniciativa de Medrado para combater a carência de médicos no Estado foi articular a criação de um curso de medicina em Araguaína. A FAHESA, Faculdade de Ciências Humanas, Econômicas e da Saúde de Araguaína, mantida pelo ITPAC, Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos, começou a ser desenhada após tratativas de Medrado com um médico amigo de Minas Gerais e também participante do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde, o CONASS: Wilmar de Oliveira Filho.
Wilmar lhe apresentou o contemporâneo de faculdade, o médico Nicolau Carvalho Esteves, a quem Medrado tratou de convencer da necessidade e vantagens de se instalar um campus em Araguaína. A triangulação que envolveu o ex-deputado federal mineiro Bonifácio Andrada, também reitor da Universidade Presidente Antônio Carlos, a Unipac e o então governador Siqueira Campos.
Quando a instituição completou 15 anos de existência, na solenidade organizada para comemorar a efeméride, Nicolau Esteves, então diretor financeiro do grupo, anunciou de mudança do nome do Campus de Araguaína de “Professor Antônio Carlos” para “Campus Dr. Eduardo Novaes Medrado Santos”. No discurso, Esteves afirmou que a mudança foi levada por ele à diretoria do grupo porque sem Eduardo Medrado o processo de instalação do ITPAC na cidade de Araguaína teria sido impossível.
A formação de médicos locais foi útil a Medrado quando ele assumiu a secretaria municipal da cidade, no governo Valuar Barros (2008-2012). Com os formados na cidade conseguiu forma 40 equipes de medicina da saúde. Nessa fase, fundou um hospital municipal, construiu unidades de saúde, duas UPAs (Unidades de Pronto Atendimento).
Ao fundar o Sindicato dos Médicos no Estado do Tocantins (SIMED-TO) assinando a linha n° 32 da ata de fundação, Medrado já era diretor do regional de Araguaína. E não se interessou em assumir cargo na entidade. Nunca se interessou por cargos no sindicato ou pelo CRM.
Sua saída da Secretaria da Saúde, em 2002, se deu “a bem do serviço público”. Medrado sempre repetia a história. “Chegou lá o chefe da Casa Civil e me disse: ó aqui sua demissão, você se retire imediatamente. Aí eu digo: só 5 minutos pra eu pegar algumas coisas minhas e a Secretaria tá aí a sua disposição. Eu não sou dono de Secretaria nenhuma. Então, na demissão, lá em cima tem ‘a bem do serviço’. E agora cada um interprete do jeito que quiser, não é? Pronto. Aí eu saí.”
Ao deixar a Secretaria, buscou trabalho no estado do Pará. Trabalhou dois anos como diretor do Hospital Regional de Marabá e igual período em Carajás. Por fim, atuou em Breves, na Ilha do Marajó. Em sua versão: “saía dando plantão por aí pra ganhar uns tostões pra pagar as dívidas que fiz quando era secretário de Saúde”.
Servidor do Estado desde a década de 1990 aposentou-se em 2012. Mas reclamou formalmente que não consideraram a documentação por ele apresentada e a aposentadoria restou aquém do que esperava. “Apresentei um currículo com 32 palestras que eu fiz a nível nacional para criação do SUS, apresentei o título de especialista em cirurgia geral e outros títulos aí e cortaram tudo”, queixava-se.
Dividia seu tempo entre o Tocantins, onde se submetia a diálise diuturnamente, em decorrência dos problemas renais crônicos, e o Pará, onde administrava uma propriedade rural de 150 hectares.
Medrado faleceu às 18h20 do dia 20 de junho, aos 70 anos, de falência múltipla de órgãos, no Hospital Dom Orione, onde estava internado há 36 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Fonte: Simed-TO