A crise econômica começa a ameaçar uma das conquistas mais importantes para os brasileiros: o plano de saúde que permite acesso à rede privada de assistência médica. Por conta principalmente do aumento do desemprego e da queda na renda, mais de 1,3 milhão de beneficiários deixaram a chamada saúde suplementar entre março de 2015 e março de 2016, uma queda de 2,6%, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
No Rio Grande do Sul, 36 mil pessoas se desligaram dos convênios no mesmo período, o que configura redução de 1,3% no total de beneficiários. Esse contingente, em teoria, passa a depender dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) ou a pagar por consultas e exames em consultórios e clínicas particulares.
Segundo Antonio Carlos Abbatepaolo, diretor executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), a fase difícil é inédita para o setor. Depois de pelo menos uma década de crescimento contínuo, 2015 foi o primeiro ano em que houve redução na carteira de clientes.
— Em várias pesquisas, o plano de saúde é o terceiro bem mais desejado pelo brasileiro, perdendo apenas para a educação e a casa própria. O plano tem uma resistência forte, mas há um limite para essa resistência: perda de renda, alta da inflação. E os reajustes dos planos têm sido altos — comenta Abbatepaolo.
No país, a maior parte dos planos de saúde corresponde aos coletivos, categoria em que a modalidade empresarial é a mais numerosa — e esta é justamente a fatia mais afetada hoje em dia. Quase a totalidade dos cancelamentos no Rio Grande do Sul se refere a planos empresariais: com a demissão, o colaborador perde também o benefício ofertado pela firma. É o caso de Jackson dos Santos, 24 anos, desempregado desde abril. Depois de cinco anos contando com a segurança do plano de saúde, que representava um pequeno desconto na folha de pagamento, o funcionário da tesouraria de uma livraria na Capital agora não consegue custear um plano individual.
Na busca pela recolocação no mercado, ele diz que o benefício será determinante para aceitar uma vaga. Se precisar de auxílio médico antes que surja uma nova oportunidade de trabalho, Jackson prevê que terá de recorrer à rede pública.
— Os planos de saúde podem ter seus defeitos, como demora para conseguir atendimento ou cobertura parcial em alguns casos, mas são uma tranquilidade em relação ao SUS e uma opção mais barata às consultas particulares — compara.
Luiz Augusto Carneiro, superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, organização sem fins lucrativos que realiza pesquisas na área, destaca que os empregadores também têm tentado se adaptar à nova realidade.
— O plano de saúde é um benefício muito valorizado pelos trabalhadores, e as empresas evitam cortá-lo. Estão fazendo trocas para reduzir custos, o chamado downgrade, optando por redes de atendimento menores e mais simples — diz Carneiro.
Entre as projeções para o futuro, o cenário vislumbrado a curto prazo é de dificuldades. Na avaliação de Abbatepaolo, uma retomada lenta é possível em 2017:
— Apesar de ter havido mudanças na economia, no ministério, ainda vamos padecer por uns meses. Quando as condições econômicas estiverem equilibradas, sabemos que as perdas serão recompostas. Com aumento de renda, é natural que haja aumento da migração do SUS para o setor privado, incluindo o usuário que tinha plano e deixou de ter e também o que nunca teve.
Questionado sobre o possível impacto do atual movimento de transferência de pacientes para o sistema público, o Ministério da Saúde ressaltou, em nota, que o acesso ao SUS é universal e gratuito para todos. “A evolução dos atendimentos no SUS leva em conta o número de procedimentos realizados, o que não guarda relação com a quantidade de pacientes atendidos, impossibilitando análises que não considerem essa condição”, diz o texto.
Fonte: Zero Hora