Um quarto dos 122 municípios brasileiros que fazem fronteira com outros países não possui nenhum leito de internação disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). Nessas cidades, que perfazem 15,7 mil quilômetros de fronteiras, também é baixa a oferta de estabelecimentos e de profissionais de saúde na rede pública e alta a incidência de doenças já erradicadas em muitos locais do Brasil. As informações fazem parte de uma radiografia divulgada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) nesta terça-feira (21), durante o I Fórum de Médicos de Fronteiras, realizado em Brasília.
“Por serem localidades distantes dos centros urbanos e muitas vezes de difícil acesso e acolher um grande fluxo de estrangeiros que buscam por tratamentos, a oferta de serviços públicos de qualidade tem sido prejudicada”, alerta Carlos Vital, presidente do CFM. Para ele, além de sobrecarregar a assistência em saúde, muitas vezes o acolhimento massivo aos estrangeiros não é contabilizado pelo Ministério da Saúde no cálculo do repasse de verbas para o SUS, que em alguns casos segue critérios de contingente populacional.
Durante o evento, que tem como foco a discussão sobre as formas de trabalho e a migração médica nestas áreas, o presidente do CFM, Carlos Vital, e a coordenadora da Comissão de Integração de Médicos de Fronteira, conselheira Dilza Ribeiro, expuseram aos participantes os principais desafios enfrentados pelos médicos nos 15,7 mil quilômetros de fronteiras. Nessas regiões vivem aproximadamente 3,5 milhões de brasileiros, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Infraestrutura desigual – Onze estados fazem fronteira com outros países: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Dos 122 municípios fronteiriços, 48 (40%) não possuem nenhum hospital geral. Nas demais cidades existem 116 hospitais, volume próximo, por exemplo, ao que hoje existe apenas na cidade do Rio de Janeiro-RJ (109), segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) do Ministério da Saúde.
Pelos dados oficiais também é possível verificar que os municípios da região fronteiriça possuem juntos 5.269 leitos de internação no SUS, número 5% menor que o registrado em 2011. Além disso, uma em cada quatro cidades limítrofes não possui nenhum leito na rede pública.
“Sabemos que muitos destes municípios não têm estrutura e nem demanda para manter um hospital geral, mas é imprescindível que se ofereça condições mínimas de atendimento em casos mais graves. Em muitos lugares um paciente tem que esperar dois ou três dias por um transporte que possa levá-lo ao hospital mais próximo”, explicou Dilza Ribeiro.
Também apurou-se que as cidades que fazem fronteira possuem 652 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) ou Centros de Saúde, que têm como objetivo atender até 80% dos problemas de saúde da população local. Para se ter uma ideia da distribuição desigual, basta observar que estados como Alagoas e Rio Grande do Norte, por exemplo, cujas populações são equivalentes aos dos municípios fronteiriços, contam com pelo menos uma centena a mais de estabelecimentos para atendimento na Atenção Básica: 794 e 803 respectivamente. Confira as informações de infraestruturas das cidades.
Consultas e internações – Entre 2011 e 2015, 51 municípios de fronteira reduziram em quase 2,5 milhões o número de consultas médicas, apesar de terem recebido quase 200 intercambistas do Programa Mais Médicos. Considerando todas as cidades, o saldo de consultas permanece negativo, com queda de 10% nos últimos cinco anos.
Embora o número de leitos da região tenha sofrido uma queda, curiosamente o número de internações hospitalares aumentou em alguns municípios durante os últimos cinco anos. Em 41 municípios houve um aumento de aproximadamente 30 mil internações no total. Considerando todas as cidades, o saldo de internações passou de 175 mil para 190 mil – um salto de aproximadamente 10% no período.
“Trata-se de um fenômeno que pode estar relacionado ao tempo médio de internações, que ao longo dos últimos anos vem caindo em alguns estados, sobretudo do Sul e Centro-Oeste. Em Santa Catarina, por exemplo, a taxa de permanência em um hospital passou de 5,5 dias em 2011 para cinco dias em 2015”, explicou a coordenadora da Comissão de Integração de Médicos de Fronteira do CFM. Confira a quantidade de atendimentos realizados.
Médicos e outros profissionais de saúde – Os números apurados pelo CFM revelam ainda que os municípios limítrofes concentram 3.547 médicos cadastrados no CNES, o que representa 1,1% do total de médicos cadastrados em todo o País (331 mil). Dados dos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), no entanto, dão conta de um contingente maior de profissionais nestas cidades: 3.844. Nos últimos cinco anos, o número de médicos aumentou em 34%, sem levar em conta os intercambistas do Programa Mais Médicos. Dos 122 municípios, apenas 18 não seguiram essa lógica.
Em números absolutos, a população de médicos supera a quantidade de enfermeiros e odontólogos identificados nessas regiões. Os 122 municípios possuem atualmente 2.978 enfermeiros cadastrados no CNES. Desde 2011, o número de enfermeiros nestas cidades aumentou em 75%, sendo que oito delas perderam enfermeiros neste período. Já os odontólogos totalizaram 1.607 cadastros no CNES, quantia 25% superior ao identificado há cinco anos. Vinte e duas cidades perderam odontólogos. Confira a distribuição de profissionais de saúde.
Incidência de doenças – O Conselho Federal de Medicina também avaliou a situação epidemiológica nas fronteiras, sendo um dos problemas mais alarmantes na região a malária. Só em 2014, quase 60 mil casos de malária foram registrados em 50 municípios de fronteira, em especial aqueles situados nos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia e Roraima. O volume de casos representa 42% de todas as notificações da doença no Brasil naquele ano.
No caso da tuberculose, dentre as 84 cidades com informações registradas em 2014, 40% tiveram a taxa de incidência de tuberculose por 100 mil habitantes superior à média nacional registrada naquele ano (34,05). As situações mais graves foram identificadas nos municípios de Atalaia do Norte (AM) e Santa Rosa do Purus (AC), onde as taxas de incidência da doença atingiram 124,5 e 107,2, respectivamente.
Erradicada em muitos países, a hanseníase é outra doença bastante presente em quase 60% dos municípios de fronteira. Em mais de 40 dessas cidades a taxa de detecção de hanseníase (número de casos novos confirmados, por 100 mil habitantes) aparece, em 2015, acima da média nacional (10,23). No topo da lista, com as maiores incidências, estão Alto Alegre dos Parecis (RO) e Sete Quedas (MS), onde as taxas da doença chegaram a 100 e 92 casos por 100 mil habitantes, respectivamente. Confira a incidência de doenças na regiões.